O Mundo Mudou

27 2 0
                                    

"Viver não é necessário. Necessário é criar."

— Fernando Pessoa


1

Estou confinado neste apartamento, porque foi minha única opção de escape temporário, sem comer ou beber nada desde que me despedi dos meus amigos e tudo o que tenho neste limitado espaço são alguns móveis velhos. As pessoas que estiveram aqui, neste apartamento, devem ter tido uma discussão muito séria a ponto de destruir contra o piso quadros de família e aparelhos eletrônicos de todos os tipos, nem mesmo o carpete foi salvo. Antes de eu chegar aqui, ou bem antes disso tudo acontecer, viveu nesta casa um casal sem filhos e a se julgar pela poeira e bagunça, eles partiram há muito tempo, de uma maneira muito repentina ou trágica.

Alguém rabiscou na parede meu nome completo, não fiquei surpreso, mas senti um aperto no coração, como se o inevitável estivesse cada vez mais próximo. "Eu não queria estar aqui, mas estou exatamente onde deveria estar.". Depois de alguns minutos refletindo, analisei minha situação em retrospectiva, quase uma odisseia. Eu me vi na obrigação de registrar os fatos relevantes da minha vida, mesmo não tendo a certeza de que alguém, algum dia, pudesse ler minhas palavras. Fui até a sala, sentei-me diante da mesa, cujo vidro redondo deixara sua transparência ser substituída por uma fina camada de pó, e pus-me a escrever.

Eu não sei onde você está lendo, nem em que ano encontrou este livro, mas tenho certeza de que se ele chegou até suas mãos, é por que algo de bom aconteceu afinal. Passei por situações que nunca imaginei serem possíveis, conheci pessoas que você teria o maior prazer de convidar para um almoço em sua casa. Amigos de verdade, entende? Pessoas de bem e que mesmo nos momentos mais difíceis, não me abandonaram. Sei que amigos nunca devem abandonar, mas eu não pude trazê-los comigo até aqui, tive de ser forte o bastante para deixá-los onde estavam, e este lugar solitário em que me encontro agora se tornou meu único refúgio em meio a tudo o que está acontecendo lá fora. Você não acreditaria se eu lhe contasse com maiores detalhes o que vi há poucos minutos na cidade de São Paulo, temo que minhas palavras jamais consigam expressar tudo o que realmente aconteceu, mas vou fazer o máximo para deixar você a par dos fatos relevantes. Já sabe meu nome, então não delongarei minha apresentação, tendo em vista que no decorrer da leitura vai me conhecer o suficiente para fazer seu julgamento.

Quero deixar claro que eu nunca intencionei escrever um livro, ainda mais se tratando de acontecimentos de minha própria vida. Apesar de admirar os grandes autores e poetas, como Machado de Assis, Fernando Pessoa, Mário Quintana ou os grandes clássicos internacionais, como Shakespeare, que com suas belas palavras e pronunciações bem colocadas puderam transmitir ao mundo seus sentimentos mais tenros e profundos, peculiarmente íntimos, aflitivos ou cômicos, fantasiosos ou pragmáticos, homens e mulheres que conseguiram, em suas obras, nos fazer sentir empatia por seus personagens; não pretendo me tornar famoso por meio de um belo texto. Posso estar com frio e fraco devido à fome, mas isso não influenciará qualitativamente minhas explicações.

Ao passo que destrincha as sentenças e parágrafos adiante, caberá a você interpretar minhas palavras como vãs, ou relevantes. Além do mais, como já disse, eu nunca antes em minha vida escrevi um texto que contivesse mais do que as linhas mínimas de uma redação escolar, apesar de apreciar muito a leitura de bons livros. Não tenho formação acadêmica, não cursei escolas particulares nem instituições bem-conceituadas, não tive tempo nem recursos para me matricular em uma boa faculdade, então se considerar minhas palavras bem colocadas, deve dar boa parte dos créditos a uma pequena escola de nome sugestivo, "Viver e Aprender", localizada logo ali, há uns cento e setenta quilômetros deste prédio, em Estiva, Minas Gerais.

Um T.O.C de CriatividadeOnde histórias criam vida. Descubra agora