↬ 11 de outubro de 1999...
April.
- Não podemos fazer isso Otto... - o desespero era palpável em minha voz, enquanto segurava minha filha nos braços. Sentindo o cheirinho de bebê, envolta naqueles lençóis velhos.
- Não temos outra opção April, eles vão nos encontrar e vão acabar com nós três. - é a resposta que tenho, também era possível sentir a tristeza nos olhos do meu marido.
E como se meu coração fosse arrancado do meu peito, choro copiosamente, abraçando a minha pequena com toda a força que restava em meu corpo. Se pudesse guardaria ela em meu ventre, a faria minha, só minha bebê. Eu não queria deixar a pequena na porta daquele orfanato. Eu queria poder criá-la, ensinar a ela o alfabeto, ver ela dar seus primeiros passos e me chamar de mãe pela primeira vez. Mas eu sabia que seria impossível, eles estavam prestes a nos encontrar. E só Deus sabe o que eles fariam com minha bebê. Eu sempre soube as consequências de ter me envolvido com o Otto, nunca poderiamos viver em paz, eles nunca permitiriam. Preferiam nos ver mortos, ao apoiar nosso amor. O conto de Romeu e Julieta, é o que mais nos define.
Mesmo com tudo ao nosso redor indo contra, nós nos amamos profundamente. Vivendo em adrenalina por anos as escondidas. Nos entregamos de corpo e alma, um ao outro. Contudo fugimos por meses, após a descoberta de que eu estava grávida. Sim, eu carregava em meu ventre o fruto mais lindo do nosso amor. E quando chegou a hora, o próprio Otto teve que ajudar com o parto, era arriscado ir ao hospital.
Um pequeno lapso de felicidade tomou conta do nosso coração. Todos os medos e desafios que enfrentamos, pareciam ter sumido do mapa. Ela estava ali conosco, nada mais importava. Nós a amamos desde o primeiro momento, quando escutamos sua voz irritada em um choro sentido ecoou em nossos ouvidos. E quando a amamentei, meu corpo transbordou amor por aquela coisinha minúscula de cabelos castanhos e olhos de jabuticaba. Foram as 24 horas mais felizes de nossa existência. E agora, a culpa por estar prestes a deixá-la nos consome. Mas não podiamos ficar com ela, jamais nos perdoariamos por ter a abandonado. Porém é melhor, do que vê-la morta.
Pela última vez canto baixinho para a minha bebê: "És minha filha e eu sou sua, sou. Pra todo sempre pra onde a gente for. O amor chegou, se tornou maior e então vai... ficar melhor... bem melhor..." É essa a minha dolorosa despedida. Otto tentava segurar sua emoção, ele sempre tentava me passar segurança. Porém seu coração está cheio demais e ele acaba por se debulhar em lágrimas. Ele não sabia cantar, então ele só deixou um colar com um pingente em forma de lua. Foi a forma que ele encontrou de ficar presente na vida de nossa pequena, enquanto houver universo, haverá o amor de nosso ser junto com a nossa pequena. Choramos abraçados a nossa bebê, não queriamos deixá-la. Ela é parte de nós. Com um beijo de amor e dois corações despedaçados, deixamos nossa pequena numa bacia de alumínio como uma cesta improvisada. E então nos perdemos para nunca mais ser encontrados, no silêncio da escuridão daquela madrugada.
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Beatrice
Estava inquieta aquela noite, não conseguia dormir em nenhuma posição, algo me incomodava. Frustrada, decidi ir tomar água, talvez isso me deixasse tranquila...
Sem sucesso.
Eu era uma das mais novas contratadas do orfanato, e também a mais nova de lá na questão de idade. E diferente das outras funcionárias, eu não era freira. Então ser contratada, foi uma grande sorte.
Com passos cuidadosos para não ter nenhuma surpresa desagradável, e não ser descoberta, sai em direção a cozinha. Aquele lugar me dava calafrios a noite...
Bizarro.
Tomei minha água o mais rápido que consegui, e aproveitei também para pegar um pedaço de bolo. Não me julgue, eu olhei pra ele, ele olhou pra mim e foi amor a primeira vista, não consegui evitar. Já estava tomando o caminho de volta aos meus aposentos, quando senti um certo incômodo no meu peito.
- Creio em Deus Pai todo poderoso, Criador do céu e da terra... - comecei a rezar baixinho.
Não que fosse uma pessoa muito religiosa, eu só acredito em Deus, mas sei la, achei melhor previnir vai que? A cada passo que eu dava em direção ao meu quarto o incômodo ficar mais forte. Como desencargo de consciência, com uma pitada de coragem, levemente decidida e com o brioco não passando nem sinal de Wi-Fi. Caminhei em direção a porta do orfanato. Abri. A princípio não havia nada que chamasse minha atenção. Mas ao olhar para baixo, encontrei um pequeno pacotinho, dormindo tranquilo.
Pisquei algumas muitas vezes, tentando assimilar o que estava acontecendo. Foi então que me dei conta: aquilo era uma criança! Assim que a ficha caiu, só peguei o nenê e entrei no orfanato fechando a porta com certo desespero. Consegui me acalmar levemente, e notei se tratar de uma menininha, que sorria sem mostrar os dentes, acabei sorrindo junto, ela era tão linda. E estava levemente gelada, já que estava só enrolada ao lençol velho, e o inverno se aproximava.
- Ok. O que eu devo fazer agora? - pergunto a mim mesma.
No minuto seguinte estou procurando dentro do cesto improvisado, alguma informação que me fosse útil. Mas tudo o que encontrei foi um pedaço de papel onde estava escrito: Alika, 11 de outubro de 1999. E no verso, havia o que me pareceu ser uma canção. Um nó se fez na minha cabeça. A bebê tinha apenas um dia de vida, e quem é que tem um filho e o abandona na madrugada seguinte? Respirei fundo, tentando não amaldiçoar o ser desprezível que abandonou aquela coisinha linda a própria sorte. Certamente teria motivos, e não cabia a mim julgar. Não consegui desfazer o sorriso largo em meu rosto, ao que a pequena resmungou algo incompreensível ainda em seu sono profundo.
-Seja bem-vinda ao mundo Alika. -disse sentindo meu coração aquecer.
Agora, tinha um pequeno detalhe que precisava ser resolvido. Cuidadosa, caminhei embalando a pequena até os aposentos da Madre Superiora, repensando se era mesmo o certo a fazer. Batendo na porta, meu coração disparou sem fazer cerimônia. Uma mulher descabelada e ranzinza apareceu na porta, e quando ia abrir a boca para reclamar, percebeu a pequena no meu colo.
-O nome dela é Alika, foi deixada na porta e...
-Alika... - me interrompeu a Madre, sorrindo doce para a pequena - Como você sabia que ela estava lá?
-Eu não sei, não estava conseguindo dormir então fui beber água, algo tava me incomodando e bem... tomei coragem de abrir a porta e ela estava lá... -respirei fundo, notando que a pequena acordara e que estava com fome por estar procurando o peito pra mamar.
-Você ainda tem leite? -perguntou a Madre.
-E..eu s..ahn..e..eu..nã...
-Temos roupinhas para recém-nascidos, mas o leite está em falta. Seria só por essa noite... - explica a Madre.
Ok, era mãe solteira, meu filho tinha 1 ano, mas eu ainda produzia leite sem motivo algum, já que meu pequeno Isaac não mamava desde os 6 meses de vida. O pai de Isaac havia fugido da responsabilidade, desde o primeiro mês da gestação, um covarde. Me sinto enjoada só de lembrar que achei que o amava, mas a realidade é que foi só uma paixão mesmo, mais fogo no rabo do que paixão na verdade.
Pensei em todas as possibilidades, com a proposta da Madre. Se eu não amamentasse a pequena, ela iria passar fome. E só Deus sabe o que a pequena passou até aquele momento. Então decidi por amamentar a criança, a Madre falou algo sobre banho e roupas para a pequena. Concordei com a cabeça, me dirigindo para um local confortável para a amamentação. Ao sentar na poltrona, apoiei a pequena, tirando um dos meus seios para fora e quase que instantaneamente a pequena pegou o bico.
Sorri largo, meu coração estava cheio de sentimentos pela pequena. Era como se eu mesma tivesse gerado aquela vida, como se meu corpo pertencesse aquele serzinho e agora tê-la em meus braços era a melhor coisa que eu podia querer na vida. Tão de repente, tão inusitado, tão inesperado... eu jamais tinha imaginado que o amor fosse surgir tão cedo. Eu a amei desde o primeiro momento. Parece que o universo queria que acontecesse dessa forma, que eu, Beatrice me conectasse a pequena Alika. Eu não sabia que precisava da Alika, até conhecê-la.
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The lost comet
FanfictionA busca incessante por rótulos nos limita, e muitas vezes nos fazem sentir como se fôssemos um pedaço de bosta. Nos frustramos o tempo inteiro, por nunca conseguir atingir o padrão perfeito. Esquecemos completamente que somos livres para ser o que...