Livro I Terra: A Fertilidade de Pan

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CAPÍTULO 1: O BURACO NA PAREDE

Eu sempre me pergunto onde os escritores encontram suas histórias. Onde estaria "Ensaio sobre a cegueira" antes de Saramago encontrá-lo? E como Orwel encontrou "A revolução dos Bichos"?

Eu fico pensando que às vezes um escritor está apenas atrasado para um compromisso importante. Ele se veste, penteia os cabelos e enquanto remexe sua gaveta em busca de uma meia vê algo ali no fundo, puxa sua ponta e "tã dã!", uma história. Outras vezes imagino que eles estão com fome de madrugada, aquele tipo de fome que lhe transforma em um sonâmbulo com aparência de zumbi, imagina só, este escritor faminto saindo de sua cama e enquanto afasta o pote de maionese encontra uma história que lhe sorri como o Gato de Cheshire e depois disso ele sabe o que fazer, não sabe? Se não contar aquela história ela lhe perseguirá pelo resto de seus dias.

Assim é.

A história que vou lhes contar encontrei no buraco da parede. Simples assim. Estava trocando algumas coisas de lugar no meu quarto e também em meu interior. Eu procurava qual arranjo poderia trazer mais ventilação. Tem horas que se você não deixar o vento entrar parece que tudo embolora.

E ganhei esse quadro. Um homem que sorri é seu nome e eu não conseguiria descrevê-lo melhor. E eu tive que colocá-lo na parede.

Eu peguei a furadeira e forcei contra a parede, tive que fazer só um pouco de força e lá estava aquele buraco simétrico, pronto para receber a bucha. Só que antes que eu a enfiasse no buraco eu ouvi algo que parecia o vento ululando, como numa história de faroeste, com feno rolando e tudo mais. Eu, curioso que sou, enfiei o olho no buraco, no começo era só escuridão. Depois, comecei a ver. Uma terra esquecida, uma terra seca, uma terra onde os fracos não têm vez, um lugar que vai fazer você gastar cada gota de seu suor se quiser sobreviver. Junto do espinho, da poeira, do povo de cara cansada (mas não abatida!), dum castelo pintado de amarelo pelo ouro que restou, mas também pelo pó que impregnou nas paredes.

Uma terra largada no tempo. Se eu chegar um pouco para o lado você pode ver também. Um lugar tão esquecido, que até mesmo a chuva hesita em lhe tocar.

Os Impuros e a SecaWhere stories live. Discover now