CAPÍTULO 15: O VIOLONCELO E O HOMEM COM A CARTOLA

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Eron crescia e se tornava cada vez mais interessado pela música. O menino gostava mesmo era de ver interromper o jardineiro em seu ofício. Ele via como o negro se concentrava com as tesouras em mãos, a suavidade de cada movimento ao cortar os restos de plantas que insistiam a tentar viver.

O homem velho era habilidoso, sempre estava assobiando suas melodias pagãs. Isto é, exceto quando a Maria dos Nós estava por perto, pois ele sabia que poderia ser condenado em praça pública.

Chiado não era um local muito empolgante de se viver, nos períodos de seca, que se arrastavam por bastante tempo, as pessoas estavam preocupadas em economizar água e energia. O que podia trazer um pouco de alegria àquelas vidas secas era um bom enforcamento em praça ou caçar as bruxas. Só que elas já nem eram mais vistas. Era uma vida bem entediante.

Eron já estava próximo aos seus sete anos, pela vidraça da sala de estar ele podia ver o velho de cócoras recolhendo folhas mortas do chão. O menino passou a mão na poeira que atrapalhava a vista. Vendo que homem com as folhas estava ocupado demais, ele aproveitou e se direcionou à sala de estar. Ali estava, o enorme instrumento musical que se agigantava ainda mais diante da pequenez de Eron.

Madeira, tripa e música. Era isso que ele via, era um enigma a ser resolvido, um enigma a ser composto. Um modo de olhar além das vidraças da vida e encontrar um pouco de sensatez num mundo que podia muito bem ser insólito.

Atrás do Violoncelo, ele pode ver, a cartola. O objeto que tanto fazia seu pai rir quando o jardineiro colocava em sua cabaça. Assim, Eron tomou ela em suas mãos. Ele pensava que talvez fosse dali que vinha todas as inspirações do jardineiro, daquela peça feita com tecidos velhos. Ele a colocou na cabeça, o chapéu desceu e cobriu-lhe os olhos, ele puxou mais uma vez até o topo da cabeça.

Mais uma vez caiu. Ele levantou e assustou-se, quase caindo para trás.

-É um chapéu mágico. – Disse o velho que estava diante de si.

-Sélio?

-Sim. Ela se comunica diretamente com os deuses.

-Como ela faz isso?

-Quando você coloca na cabeça, Handa lhe encontra e lhe guia.

-Quem é Handa?

-É uma divindade poderosa. Antes de tudo isso que vamos acontecer. Ela já estava lá em cima no topo do céu, antes mesmo que ele fosse céu. Antes que alguém abrisse a primeira página do livro.

-Ela é como o Dlagão?

-Ela está acima dele.

-Mas me conte, pequeno Eron. Por que você estava com meu chapéu?

-Eu quero fazer música, igual você faz.

-Eu posso te ensinar.

-Mas ela não vai gostar.

-Sua mãe? Podemos pedir a ela.

-Não. Ela não, a mulher que estava lá fora olhando você agachado, a mulher que tem manchinha na testa.

Os Impuros e a SecaWhere stories live. Discover now