CAPÍTULO 4: SACRIFÍCIO

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Os Homens Sagrados estavam aos montes no castelo. Como diziam as sagradas escrituras: somente eles podiam preparar sacrifícios.

Eles estavam no jardim do castelo, quando chovia, esse era um lugar verde, com arbustos em formato de animais e grama que dava até vontade de tirar os sapatos e ficar descalço. Um pouco mais a frente do jardim estava o labirinto feito de trepadeiras. Ele ficava um pouco mais abaixo, do nível do jardim e era sempre possível ver quem estava se perdendo em seus caminhos.

Ainda no jardim, havia várias oliveiras espalhadas. E um pouco além delas o poço de Charlote. Depois da forma circular de pedras estava a enorme estátua da deusa. Ela estava em pé apontando em direção ao castelo com uma criança na outra mão. Como nas histórias contadas, um de seus olhos havia sido incrustado de pequenas pedras brilhantes.

Os homens de hábitos transitavam em meio aos arbustos secos levando ornamentos para um canto e para outro. Eles enchiam uma mesa de vidro com diversas frutas: maçã, pera, uvas, pêssegos e melancia. Dois deles estavam ajoelhados diante do poço e de mãos juntas conversavam com a deusa. Um outro polia uma bacia de cobre.

Algumas cadeiras eram trazidas para o lado de fora e colocadas em círculo ao redor do poço.

Eleonora apareceu e cumprimentou os Homens Sagrados que se prostraram. Ela pegou uma maçã da mesa de frutas e começou a mordiscar. Na noite anterior, depois de seu banho, Napoleão lhe dissera que uma criança impura havia nascido. Empolgada, Eleonora perguntara quando seria feito o sacrifício. Seria feito no dia seguinte, não podiam esperar muito, a seca já se arrastava por muito tempo, precisavam fazer o sacrifício. Ao ouvir isso, a rainha sentiu muita felicidade. Ou melhor, sentiu excitação. Os deuses voltam a ouvir suas preces. E se lhe ouviram queria dizer que abençoava.

Ela fez amor com Napoleão e depois do ato ficou acariciando sua barriga. Sabia que um pedaço de gente estava ali dentro.

A mulher olhou os homens ajoelhados mais adiante, próximos ao poço. Também era algo que lhe trazia excitação. Aquelas mãos seriam as percussoras do sacrifício.


Não tão longe dali, no que poderia ser considerado o centro do reino estava Jeremias com um coração apertado, sofrendo. A casa onde morava era compartilhada com a oficina e com a venda, por isso não era raro alguém furar o pé num parafuso no chão, ou receber na cabeça uma peça que caíra da estante. Sim, o homem era um inventor, mas ser organizado não era uma de suas qualidades, sempre repetia sua esposa.

O homem era um inventor e todos do reino gostava de falar isso quando acabava a fofoca, um louco. Como acontecia com todos do reino, seus dotes haviam sido passados por seu pai, este sim fora um homem renomado, seu pai fora o que se chamava construtor, e isso era admirável. Tudo que o rei solicitava o velho fazia, porque no fundo ele sabia, sua majestade era criativa, inteligente, ele apenas um homem com um martelo. Fora o pai de Jeremias que fizera a grande fonte para o deus Vicente no centro do reino, aquela que era possível ver desde a oficina de invenções. A fonte que todos jogavam moedas, apesar da pobreza, agradecendo aos céus pela vida, mas, sobretudo fazendo seus pedidos ao deus do vento.

O dia de sua inauguração fora mesmo um dos mais excitantes da vida de Jeremias, ele era apenas uma criança aprendendo com o pai como colocar uma mola de corda dentro de um relógio. O menino estava admirado com os fiéis que vinham e colocavam flores aos pés de seu pai agradecendo pela bem feitoria. Aqueles era tempos bons, tempos em que uma nuvem no céu trazia água, trazia boa colheita e o povoado fazia festa. Seu pai fizera questão de passar um pouco de gordura na cabeça para manter o cabelo quieto, aparara a barba e deixara aquile bigode que lhe dava uma aura de sabichão.

Os Impuros e a SecaWhere stories live. Discover now