Dhandara, com o passar dos dias, sentia como seu corpo se esticava e como criava formas diferentes. Ela gostava de brincar com os cachos que seus cabelos faziam, gostava de enfiar o dedo e enrolar neles e sentir como eles se envolviam no indicador.
Uma das monjas, uma vez, tentou cortar eles, mas a menina gritou desesperadamente. Ela gritou do fundo do seu âmago. Foi aquela palavra, que ela não ouvia em seus ouvidos, mas sentia vibrando em seu peito:
-Naaaao! – Ela gritou até que Margarida aparecesse e lhe consolasse e depois chamasse-lhe a atenção. Ela via a cara intrigada da irmã que era bastante gorda e tinha a tesoura entre os dedos.
A menina não conseguiria explicar naquele momento, mas de alguma forma, percebia que não era igual às outras mulheres, seu cabelo não buscava a terra de Pan, não escorria pelos ombros. Não, ele era valente, ele ia em busca dos céus, como o deus semi-alado, como naquela história em que ele havia criado uma asa de madeira e voado bem alto até o sol queimá-la e ele despencar ao chão.
Era isso, seus cabelos eram tão livres quanto o vento vicentino que criava redemoinhos de poeira, sim! Seus cabelos encaracolavam como pequenos redemoinhos.
Dhandara era uma criança, mas se via diante do espelho. Atrás dela estava Margarida com o pente de madeira desfazendo alguns nós em meio aos fios. A garota agora já sabia falar bastante palavras e podia ler os lábios da velha que, de certo modo a protegia. A pele enrugada ao lado da boca dizia:
-Jamais dê as costas a alguém, enquanto fala contigo. Jamais diga a alguém que você é surda. Esteja sempre próxima o bastante para ler o que a boca diz e se alguém reclamar que não ouviu, diga que estava com dor de cabeça e não conseguia se concentrar. Você entende?
E ela aquiesceu primeiro com a cabeça, depois com a mente e por fim com o coração. Ela fez seu primeiro nó, atado nele estava uma sequência labial que dizia "Jamais diga a alguém que você é surda".
Ao final da sessão de pentear, Dhandara ficou ali tricotando alguns pensamentos. A mulher havia desfeito os nós de cabelo, mas não do pensamento.
Ela olhava aquelas duas coisas que pendiam da sua cabeça. A menina via o seu majestoso penteado que se espreguiçava em direção ao teto do quarto, mas não entendia porque os Quatro o havia dado coisas tão inúteis. Eram acessórios. Via pessoas que carregavam braceletes, outras que carregavam colgantes, algumas pesados brincos, ela, involuntariamente, tinha duas pesadas orelhas.
YOU ARE READING
Os Impuros e a Seca
Mystery / ThrillerEm uma terra onde os Impuros (crianças com deficiências) são sacrificadas aos deuses, uma menina surda luta para esconder seu segredo e se encaixar nessa sociedade que não foi feita para ela.