Emma não notou,ficou abalada repentinamente e,algo dizia a Jane que não era por causa de um simples sorvete barato.Quando Willian saiu,não,antes mesmo de sair, ele dava sinais de uma mudança avassaladora em seu aspecto melancólico dos dias anteriores.
A casa ainda dormia quando ele se levantou.Estava no largo corredor que levava a escada,as primeiras faixas da suave luz dourada da manhã iluminavam as paredes,refletiam no assoalho e se arrastavam nos primeiros degraus da escada.
Os cabelos de Willian eram como flores mortas quando ele acordava,macios e sem vida,esquecidos sobre o rosto.As bordas do roupão deslizam o assoalho enquanto ele forçava os olhos de ressaca para dar um nó decente.A sonolência pós sono podia ser mais intensa que o sono propriamente dito,ele era a prova disso e a filha também.
-Bom dia.
Uma voz doce o cumprimentou,estava tão próxima que ele se assustou com a própria falta de atenção por não ter percebido alguém chegar.Olhou de esguelha para as mãos e viu luvas negras segurando um envelope velho.Jane,concluiu sem procurar o rosto.
-Dia.
-Para o senhor.
O envelope amarelado que estava em suas mãos foi entregue a ele.Não tinha remetente,muito menos endereço.A testa franziu de preocupação e os olhos faíscaram de ansiedade.Jane fingiu não ver e mascarou muito bem seu desinteresse naquilo.
-Parece que o carteiro acordou cedo hoje.-ele disse com os olhos na carta.
-Ah,não.-ela negou com a cabeça se colocando na ponta dos pés para dar uma espiada no papel.-Foi um garoto que trouxe.
-Ele disse o nome?
Ele finalmente a olhou,estava usando roupas tão claras quanto a pele o que o fez imaginar que ela estava nua por um tempo.Estava enganado.Ele estava com shorts de pijama e uma regata sobre o dorso.
-Não deu tempo.Ele correu.
-Tente sorrir quando abrir a porta,Jane.
Mas ela havia sorrido e falado com ele no mesmo tom infantil que os adultos tratam uma criança qualquer,mas assim que entregou a encomenda se foi sem ao menos dizer adeus.
-Bom...obrigado.
Jane desceu as escadas e Willian mentiu sobre ir ao banheiro.Esperou apenas a mulher sumir lá embaixo para descer logo em seguida,como a filha fizera na noite anterior.O silêncio reinava na casa.
A biblioteca não estava trancada,foi o que constatou ao girar a maçaneta e sentir uma estranha satisfação estufar seu peito.Sem olhar para trás acabou entrando com o papel coçando seus dedos.
A mesa estava descansando no fundo,a lareira apagada e os papéis de Emma expostos debaixo de um candelabro.Normalmente ele iria pegá-los,lê-los e se ela perguntasse ele não sabia nem ler,mas agora ele sabia assim como sabia que o entregador não era um simples garoto ganhando moedas com entregas pequenas.
Sentou-se na cadeira à mesa onde outras gerações também sentaram e com um gesto de mãos acendeu duas velas sobre o candelabro,sem se lembrar que a cera podia cair nos originais da esposa.Olhou o envelope contra a luz e não viu nada através dele,resolveu abri-lo com os dedos mesmo.Era um pequeno pedaço de pergaminho,escrito com curvas graciosas de uma possível grafia feminina.Caro Sr. Walker,
Águas agitadas à leste.
Frio e morte o aguardam.
Uma cova se ousar entrar.
E uma vida miserável se conseguir sair.
O trono está vazio.Enquanto todos dormiam ele se preparava para a tormenta que se formava em muitos lugares.Naquela mesma manhã,um pouco mais tarde,ele sairia e caminharia debaixo dela se desviando dos raios,pois o trono que estava vazio ele sabia que era seu.
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A Sombra No Seu Rosto
RandomDurante a madrugada Lucy recebe de seu pai um objeto,que segundo ele atravessou a família por gerações.A partir desta noite eventos estranhos começam a acontecer na vida da garota.Atormentada por alucinações e pesadelos,uma fome insaciável começa a...