03| Torta de Limão

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Já disse Dante: Quanto mais perfeito é algo, mais dor e prazer sentimos.

Mas, sinceramente, espero que esta dor em meu peito, que vem da tua perfeição fantasiada em minha mente, moço, venha findar na ascensão da Lua. Porque és como um pedacinho do Sol perdido nesta Terra medonha.

E se o universo não precisar mais da tua essência, bem, que tu possa ficar aqui, quietinho e aconchegante. Fazendo desse vácuo em meu peito um novo universo para chamar de lar, e que esta harmonia entre a perfeição e a dor, se converta em prazer.

- Belly B.

Sente o lápis vacilar entre os dedos e o ouviu tombar sobre a madeira do balcão. Assistiu ele rolar para longe das pontas dos dedos, da autoridade que tinha em mãos para dar prazer ao amor e a dor com apenas algumas palavras. Repousou o rosto sobre as folhas do seu velho caderno de capa azul e folhas amareladas coladas, e observou o lápis cada vez mais distante. Não há mais espaço para mais papel dentro da lombada daquele caderno, mas para Belly o que importa é colocar mais folhas que contém poesias nascidas em dias de chuva, como este. Queria colocar mais e mais, todas que puder, para depositar naquele espaço não só escritos, como também esboços de silhuetas, numa tentativa - desde já, digo que falha - de extrapolar tudo o que sente e se ver livre de toda aquela paixão boba de verão.

Lê outra vez tudo o que há escrito naquelas páginas sem linhas, onde seus dedos trabalhavam em harmonia com as palavras que formam um canvas de sentimentos em seu peito, e se pergunta se cada uma delas são mesmo verdadeiras ou só mais uma idealização do cara perfeito que criou em sua mente. Não sabe, mas Belly deseja muito - mesmo que o final desta história acabe sendo trágico para o seu coração ingênuo - que ele tenha um bom coração. Que ele ao menos seja um bom cara e todas as baboseiras que seu lado adolescente há anos adormecido, agora desperto, pode imaginar.

Se Yun estivesse ao seu lado, lendo aquilo que escreveu, diria que tudo o que a moça sente não passa de uma salada de sentimentos tão exóticos quanto ela. Que não adianta ficar acuada dentro de sua cápsula de vidro, como gosta de chamar a janela de vidro por onde observa o moço todos os dias a tarde. Se não for atrás de saber quem ele é ou esperar até que ele desapareça de seus pensamentos - e também da cidade - e leve consigo toda aquela "salada" que Belly detestou ter em seu menu.

Aquele é um dia estranhamente chuvoso. A moça já está acostumada com a mudança de clima repentino, mas não esperava que naquele verão tão insuportável de calor, a chuva viesse surpreender os cidadãos de Ventura e Barkin se sente a pessoa mais sortuda da Califórnia. Ama sentir o frio adentrar na pele e penetrar seus ossos porque assim poderia sentir outra dor que não fosse a paixão.

Belly não esperava que dias ensolarados, que lembra tanto sua paixão platônica, fossem substituídos pelo frio, chuva e céu nublado.

Dias de chuva faz a Barkin pensar pelo dobro do tempo e a artista que há em si querer ir logo para casa e dedicar-se inteiramente ao seu momento de insight. Sempre traçando manias e caminhos que alguns meses se tornou familiar para a moça, porque todos tinham como parada a bagunça em seu peito causada por um só cara. Ela se sente agraciada pelo clima chuvoso e o cheiro de terra molhada - mesmo que desperte sua alergia - entre os dedos dos seus pés descalços, lembrando quando ainda tinha tempo o suficiente para aproveitar a liberdade do quintal do antigo lar. Em seu condomínio, há um jardim espaçoso e lindo, mas ainda não teve tempo - e nem chuva - para apreciar a beleza da natureza molhada.

Mas não é só isso. Belly gosta de imaginar que a cada respingo de chuva que cai sobre Ventura e atiça as ondas da praia do litoral, todo o barulho que o vento faz contra as janelas, é só mais uma arrebentação de sentimentos dos céus, já que o sol nunca pode ser frio, a Lua e estrelas camufladas pela luz do dia, choram por Belly, coisas que ela não tem mais coragem de expor ou ir atrás. Sentimentos, lembranças e desejos ansiosos, todos eles, Belly mente para si mesma ao dizer que não se importa, e deposita a responsabilidade de extrapolar, na arte, poesia e natureza.

A Esperança (não) tem Seu Nome • JHSOnde histórias criam vida. Descubra agora