Durante seus primeiros anos, Tristão foi alimentado por amas na casa de seu pai. Com sete anos feitos, Rivalino achou que chegara a hora de retirá-lo às mulheres e confiou-o a um sábio escudeiro chamado Gorvenal, que se encarregou de sua edu- cação. Tristão aprendeu a correr, a saltar, a nadar, a montar, a atirar ao arco, a combater com a espada, a manejar o escudo e a lança. Em breve se distinguiu na arte da montaria e da falcoaria, perito em reconhecer as qualidades e defeitos de um cavalo, as virtudes de um ferro bem temperado e a arte de talhar a madeira. A isto se juntavam o canto e a música, pois tocava maravilhosamente harpa e rota e compunha lais à maneira dos jograis bretões. Coisa ainda mais rara, imitava, a ponto de enganar, o canto do rouxinol e dos outros pássaros.
Acabava de atingir os quinze anos quando seu pai, o rei Rivalino, foi morto numa Cilada pelo seu inimigo mortal, o duque Morgan; O órfão foi recolhido e protegido dos ataques do inimigo de seu pai pelo senescal Rouault le Foitenant, que o recebeu em sua própria casa com Gorvenal e tomou conta dele como dos seus próprios filhos. Em breve Gorvenal achou este refúgio insuficiente para a segurança do adolescente: decidiu ir-se de Leônis com ele e dingir-se pelo mar para a Cornualha, a fim de colocar Tristão sob a salvaguarda de seu tio, o rei Marcos. O rapaz desejava ardentemente entrar ao serviço de seu tio, do qual ouvira seu pai e os mais valorosos homens do seu séquito falar tão frequentemente. No entanto, pediu ao seu mestre Gorvenal que não re- velasse a Marcos que era filho de Brancaflor. Queria
ganhar a estima e a benevolência do rei por si mes- mo e pelo seu valor pessoal. Por nada deste mundo teria aceitado dever o favor do rei ao nascimento e ao parentesco. O sábio Gorvenal consentiu nisso de bom grado. Ao aproximarem-se de Tintagel, encontra- ram um grupo de caçadores que, havia subjugado um veado. Quando o animal flectiu os jarretes, um dos monteiros matou-o com o punhal e cortou-lhe a garganta para trinchá-lo. Tristão, admirado com este espetáculo, exclamou: "Que fazeis? Será próprio re- talhar um animal tão nobre como um porco degola- do? É esse o costume deste país?" "Estrangeiro --- respondeu o monteiro --. que censuras no que faço? Corto primeiro a cabeça deste veado, depois trin-
cho o corpo em quatro pedaços, que levaremos sus- pensos dos arções das nossas salas para os apra' sentarmos ao rei Marcos, nosso senhor. Assim. des- de os tempos mais antigos. fizeram sempre os ho- mens da Comualha. Se. no entanto. conheces costu- mes mais louváveis, ensina-no-los,” Tristão pegou na
faca que o monteiro lhe estendia, ajoelhou-se, esquartejou o animal e depois retirou-lhe o focinho, a língua, os órgãos masculinos e a veia do coração. Os caçadores e os seus lacaios, inclinados sobre ele, observavam-no. surpreendidos e encarnados. “Sabes belos costumes -- disse o monteiro. --— Em que terras os aprendeste? Peço-te, diz-nos o teu país e o teu nome." "Chamam-me Tristão e aprendi estes costumes no reino de Leônis." Depois, após uma pausa, acrescentou com manha: "O meu pai é mercador. Fui raptado por piratas da Noruega, com o meu mestre que vedes aí, mas a tempestade desfez nos rochedos a nau que nos transportava e foi assim que arribamos sem o querermos a este país. Se me aceitardes no vosso grupo, seguir-vos-ei de bom grado até à corte do rei Marcos, vosso senhor.” O monteiro continuou: “Admira-me que na terra de Leônis os filhos de mercadores saibam o que aqui ignoram os filhos dos mais nobres vassalos. Vem conosco, já que o desejas, e sê bem-vindo." Tristão ensinou-lhes então como deviam andar dois a dois para cavalgarem em boa ordem, segundo a nobreza dos pedaços de carne que cada um levava. dispostos em forquilhas de madeira.
Em breve avistaram o castelo de Tintagel que se elevava orgulhosamente acima do mar. forte e belo, premunido pelas suas altas muralhas contra qualquer assalto. A torre do mensagem. outrora construída pelos gigantes, era feita de blocos de pedra. grandes e bem telhados em gróa a em granito. 0 Cortejo transpôs a porta guardada por doze homens de armas.
Depois de o monteiro-mestre ter contado a aventura, Marcos arlmlrou o belo andamento do cortejo e o veado bem esquartejado. Mas, acima de tudo, admirava o jovem estrangeiro e não cessava de fitá-lo. À noite. após terem levantado as mesas, um jogral galês, mestre na sua arte, avançou pela sala por entre os barões reunidos e cantou lais acompanhando-os à harpa. Quando acabou, Tristão pegou por sua vez na harpa e para agradecer ao seu hospedeiro, cantou tão bem que os barões maravilharam-se ao ouvi-lo. Terminado o lai, o rei manteve-se durante muito tempo silencioso. "Filho -- disse por fim --, bendito sejas, pois Deus ama os bons cantores: suas vozes penetram no coração dos ho- mens e fazem-nos esquecer o luto e o sofrimento.
Vieste para minha alegria e esta casa, fica muito tempo ao pé de mim. " "Sire - disse Tristão, inclinando-se diante dele --, servir-vos-ei da melhor vontade como vosso tocador de harpa, vosso monteiro e vosso servo da gleba." Assim foi feito, e durante três anos Tristão seguiu Marcos em todas as caçadas.
De noite, dormia frequentemente no quarto real, entre os íntimos e os fiéis. Para lhe ensinar os costumes próprios da Cornualha, Marcos confiou-o ao seu senescal, o sábio Dinas de Lidan, o qual se afeiçoou ao rapaz. Quando Tristão atingiu o seu vigésimo ano. Marcos doou-lhe armas magníficas e confiou-lhe um dos mais altos postos do seu exército.