No fim da ladeira, o mar calmo da tarde foi a última coisa que vi em cores. Há algumas quadras da praia era possível ouvi-los explicando as regras do jogo. A cada ano aquele circo ficava maior e maior a ponto dos organizadores do pré-carnaval do Porto incorporarem a corrida ao evento principal, com direito a espaço no palco para os veteranos e o vencedor.
Quando dobrei a esquina na avenida das docas, o dono da boate La Sirena — um dos patrocinadores da festa — convidava Marcos ao palco erguido nas areias em frente ao seu estabelecimento. Chega a ser patético o jeito que ele falava como se fosse para uma multidão, mas para minha surpresa desta vez ele tinha um porquê. Em nenhuma das três vezes que participei vi tanta gente.
Salve, Salve, galera!!! Primeiramente nós do CEEF gostaríamos de agradecer o Sr. Fernandez pela força que ele deu esse ano patrocinando os drinques e cedendo o palco e as suas lindas garotas pra essa corrida
— Participando da corrida, gato? — perguntou a loira que segurava um copo longo na altura do decote.
— Sim.
— Toma sua entrada, bebê.
Me estendeu o copo e assistiu atentamente enquanto a bebida do pôr do sol descia em minha garganta numa guerra entre o doce e o azedo — a tequila sunrise. Devolvi o copo, coloquei pulseira laranja em minha mão e ela anotou meu nome na lista.
A corrida & tequila é um patrimônio cultural do subúrbio do Vale, senhores! Aqui nós temos de tudo, desde aqueles que participam pela primeira vez até os novatos que não deveriam ser novatos, mas ainda não passam de novatos. E hoje, pela primeira vez na história desse evento, nós temos mais de duzentas cabeças participando!
Aos poucos me aproximei da multidão.
— Rick?! Por que tá de óculos escuro? Quase não te reconheci — era Felipe.
Em comemoração a isso resolvemos dar uma ousada esse ano. Alguns veteranos irão correr junto com os novatos e o primeiro a chegar fará parte da elite do CEEF. Isso é claro, se algum dos senhores sobreviver ao trajeto de uma hora e meia passando por todas as partes da Cidade Alta
— Pronto pra sofrer, amigão? Eles aumentaram o percurso...
— Droga! Acha que a gente dá conta?
Então por gentileza, assumam seus lugares! A corrida & tequila começa em três...
— Temos que dar. Lembra do combinado?
Dois...
— Sim!
Um...
— Então vai!
Já!!!
Aguardamos alguns segundos para sair. Era óbvio que com aquele tanto de gente haveria tumulto. Muitos caíram de suas bicicletas ainda nos primeiros instantes tentando começar a correr. Uma dúzia de idiotas ficou para trás comendo poeira em frente ao La Sirena tentando se reerguer. Aquilo ainda aconteceria várias vezes ao longo do caminho, efeito da tequila.
Segui pela avenida das docas, com a brisa salgada do oceano bagunçando meus cabelos e os coqueiros da praia correndo contra o tempo na lateral do meu campo de visão. Felipe vinha logo atrás, torcia para que não fosse fraco para bebida. Ele não podia cair, pelo menos não antes de me ajudar.
Em instantes a multidão passava pela rampa de acesso aos canais. Mais trouxas caindo de suas bicicletas. Dezenas de jovens correndo pelos enormes caminhos de concreto que acomodavam o Rio Ocaso, que pelo menos naquele trecho, era um apenas fio d'água.
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O Hiperceptível
Ficção AdolescenteO que você faria se pudesse controlar os seus sonhos? Quando Felipe, Henrique e Stephanie se conheceram, não imaginavam que aquilo iria além de uma conversa de primeiro dia de aula. Para todo elogio não dado, para toda cicatriz e para todo coração p...