Bilhetes

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Rodrigo trabalhava como programador para uma pequena organização que vendia aplicativos para empresas e precisava ir ao escritório apenas poucas vezes por mês. Odiava isso quando morava com os pais, porque a mãe estava sempre em casa para lhe lembrar de que as suas escolhas não a agradavam, mas na república ele até que gostava de sua falta de rotina. Não era uma pessoa muito matinal, por isso, raramente via a dona da casa ou os outros moradores além de Lucas (o rapaz barbudo que cursava direito a noite) e da menina do quarto geminado. Ela era tão alta quanto Rodrigo (o que era bem raro) e tinha cabelos loiros cacheados à altura dos ombros que enfatizavam os traços quase infantis de seu rosto pequeno, ela parecia sempre estar sorrindo, mas raramente o sorriso chegava aos olhos cinzentos.

Sem que ele notasse, seus olhos acabavam seguindo a garota pela casa. Ele tinha medo de ser acusado de ser um assediador esquisito, mas não conseguia evitar, apenas havia algo de muito errado nela e em como ela ignorava todo mundo e fazia suas coisas fingindo que era a única pessoa da casa. Você definitivamente não anda de shorts e sutiã pela casa quando sabe que mora em uma habitação mista... bem, talvez se você for muito muito confiante em seu corpo, mas ela não emanava a vibração de garota de academia que gosta de exibir o corpo sarado, então ele simplesmente não a entendia, queria entende-la, mas não sabia exatamente como se apresentar, era péssimo com pessoas, por isso havia escolhido os computadores.

"Eu deveria ser decente e fingir que você não existe quando você finge que eu não existo?" – escreveu enfim em um post-it amarelo vibrante e com poucos passos atravessou a saleta para grudar o papel no interior da porta do quarto que no momento estava vazio. 

Se sentia meio que um invasor da privacidade alheia e já estava pronto para arrumar as malas e sair dali caso ela achasse que ele fora longe de mais, mas para sua surpresa encontrou sua mensagem em sua própria porta. O recado fora riscado e abaixo dele com uma caligrafia delicada em tinta cor de rosa lia-se:

"Meu nome é Sofia, sou meio invisível aqui então o que eu faço não importa muito"

Rodrigo sorrira consigo mesmo. Sofia a sábia, gostava de Sofia a sábia e de como ela usara o mesmo papel que ele para responder a sua mensagem antiquada. A partir daquele momento, os recados com a sábia Sofia se tornaram mais frequentes ao ponto de serem quase um chat online, mas como os bons amigos virtuais, nunca se falavam de fato cara a cara. Em poucas semanas descobrira que os pais de Sofia eram divorciados, que ela tinha um irmão e de que morava ali antes de virar um república. Ela não era de fato uma estudante, mas não conseguira ir embora quando sua família se mudou.

Seu aniversário seria em breve, 31 de outubro. Talvez fosse uma oportunidade.

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