Chuviscos nos atingem de leve; deveríamos ter escutado o aviso que nos deu a mata, mas agora já é tarde. Começamos a ficar inteiramente encharcados, mas pensas tu que levantámo-nos?! Não, permanecemos sentados neste banco; ainda a olhar e refletir vendo este lago. A chuva se intensifica a cada segundo, cada vez mais e mais intensa; o medo de que algum raio nos atinja não nos aflige. Raios caem a metros de nós, trovões ribombam ao nosso redor; nada nos fará sair deste lugar agora. Se pensas tu que os pássaros deixaram de cantar, estais enganado(a); agora eles cantam com mais entusiasmo, no entanto, uma melodia mais melancólica, mais chorosa; o sol insisti em disputar lugar com esta chuva, insisti em não nos deixar.
***
Estou a me perguntar " de que se difere este lugar do outro?" não consigo notar a diferença; aos meus olhos, parece um lugar muito sofrido. Naquela praia tudo era tão bonito, tão significativo; aqui neste minúsculo lago tudo parece igual, nada muda. Este moço, que aqui está ao meu lado, parece mais e mais tristonho; que o abate? Me sentirei invasivo se o perguntar, não, não posso lhe questionar. O medo de o fazer me faz sentir calafrios e tristeza, pelo simples fato de estar ao seu lado e não o podê-lo ajudar! Apenas fez morada em mim tais sentimentos, quando minha esposa veio a óbito; aquela tarde foi a mais horrenda que já vivi. Ainda ouço suas últimas palavras como se ela estivesse ao meu lado neste momento sussurrando-as pra mim; não consigo evitar que meu pranto irrompa... rolam, suaves, as lágrimas. A chuva que cai permite que eu as disfarce, muito embora eu não as queira maquiar! Desde o falecimento de minha amada, sinto como se já não tivesse mais vida, apenas existo; de que adianta existir quando não se tem tanta vontade de viver?! De nada vale! Tu vais dizer, meu amado(a) leitor(a), "não tens tu um filho? Então que ingratidão é esta? Tens saúde? Teu filho tem saúde? Se o tens sede grato, deixa essa tristeza, essa amargura e vive por teu filho e para ele; saibas tu que tua esposa deve estar olhando tudo isso, e nada satisfeita com tal!" eu te entendo, a dor me consome a cada dia sem deixar-me o espaço de respirar.
***Essa chuva veio em hora bastante propícia; ela está a me renovar. Eu que outrora necessitava de demitir alguns dos meus funcionários por causa do larápio que nos roubou, não o farei mais. Eles não tem culpa de nada! Eu fui o culpado quando o deixei a frente da gestão. Neste momento simplório, percebo o que mais importa nesta vida: os amigos, a família. Estes estiveram sempre ao meu lado, mesmo que eu fosse um jovem tolo nunca abandonaram-me; sinto-me honrando em conhecer e pertencer a tais ciclos. Ao longe observo um senhor vindo em minha direção, ele me parece familiar, mas com toda essa chuva não o consigo enxergar direto; vejo apenas sua silhueta por entre as árvores e as gotas da água da chuva. Ele parece sentir orgulho de mim, mas por que sentiria se não nos conhecermos?! Como isso é possível?! Receio não saber.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O miserável
Short Story"(...)notando minha angústia e tristeza: "vai ficar tudo bem, meu filho!" ele disse. A voz, de um grave impressionante, lembrou-me meu pai; deixo o pranto rolar para limpar minha alma e aos poucos vou me sentindo mais e mais aliviado(...)"