Estou aqui há horas e ele não para de andar de um lado para o outro; já pensei em aproximar-me e perguntar-lhe o que se passa, no entanto, ainda não tive coragem. Aqui deste mesmo lugar já vi muitas coisas; vi pessoas apaixonando-se, casando-se, brigando... Este moço parece estar preocupado, mas qual seria o motivo de tal? Falta-me forças e coragem para tentar aproximação, por enquanto apenas observaremos-no.
De instante em instante ele vai até a água do mar, sente ela aos pés por alguns segundos, levanta o rosto ao céu e murmura algo que não posso ouvir; as pessoas ao passarem por ele acham-no maluco, pensam que está alcoolizado, eu, contudo, acho-o bem sóbrio e normal. Talvez ele esteja agradecendo por algo que conseguiu, uma promoção no emprego por exemplo, é, quem sabe?! Ou esteja se mal dizendo pelos seus fracassos... É, quem sabe?! Não o entenderemos até que falemos com ele. Enquanto isso vamos nos deliciar com essa brisa marítima, ao menos até eu criar audácia de ir interrogá-lo, nesse nascer do sol magnífico.
***
Cinco da manhã e eu aqui nesta praia a meditar e refletir; não sei como pude chegar a tal ponto, realmente não sei! Sempre mantive a compostura, nunca sob hipótese alguma fui capaz de tal ato.
Talvez tivesse sido apenas um teste, no qual reprovei! Será que as decisões que tomei se tivessem sido aprovadas em outra situação causaria resultado diferente?! Não, não acho que traria consequência oposta.
A cada vez que ergo minha face sinto que falta-me ar, uma vergonha percorre meu ser e irrompe fazendo com que eu a abaixe novamente. Isso repete-se várias e várias vezes; creio eu que você, meu caro leitor, não esteja a entender nada do que aqui se passa, por isso acho importante narrar-lhe para que fiqueis a par da situação em que me encontro. Mas antes deixe acomodar-me ao lado daquele rélis pescador.
***
Deixo de o observar por alguns minutos e volto toda minha atenção para o mar, as ondas intrépidas mantém alguns surfistas na superfície; nunca entendi porquê isso ocorre, talvez eu devo perguntar ao meu filho quem sabe ele não me dá uma resposta com base nos seu conhecimentos escolares. É, quem sabe, ei de lhe perguntar...(risos)Ouço aqui ao meu lado a voz de alguém e ao olhar na direção tomo um susto, pois era aquele moço que estávamos a olhar... -Você não me parece bem. Acomode-se.- disse-lhe e o moço sentou-se agradecido.Não pude deixar de notar o quão abatido ele estava e começamos a conversar; ele falou dos filhos que gostaria de ter, dos problemas da empresa na qual era o superior e de tantos outros pesos que o afligiam, os quais se eu os fosse citar levaria muito tempo e escrito em um livro ocuparia aproximadamente três capítulos, melhor não alongar muito.***Este senhor, embora não tenha muita instrução, é muito gentil e bem educado; perguntei-lhe se poderia acomodar-me ao seu lado e ele, com um enorme riso no rosto, disse-me: " Acomode-se seu moço". Por uma fração de segundos pude esquecer o que me afligia, mas foi só nessa fração porque depois tudo voltou a tona com força total.Sempre que venho a praia fico a observar as ondas irem e virem, vejo algumas aves mergulhando na água do mar e sair com um pequeno peixe por entre o bico; no entanto, hoje não consegui prestar atenção nestes detalhes, apenas o que vi foram minhas intempéries! Eu lhes havia prometido narrar o porquê dessa minha preocupação, mas não o farei. Não te preocupes, amigo(a) leitor(a), creio que tudo ficará claro e ao fim de tudo isso saberás o que me aflige sem que o tenha dito.***Vendo que o homem começara a preocupar-se novamente perguntei-lhe sobre o que fazia, em que trabalhava; para não iniciar esta conversa de uma forma muito invasiva. Ele começou a falar, dizendo: " Eu sou um empresário de sucesso, sempre tive tudo aos meus pés; tenho um Alter-ego enorme. Nunca dei valor a absolutamente nada, vivia sempre nas noitadas. Coisa de jovem! Nunca pensei que fosse precisar, um dia, de mudar minha mentalidade; mas ai veio o falecimento de meu pai, o que até então - mesmo doente, era o acionista majoritário da nossa empresa. Este, homem de fibra; começou sua vida na miséria, galgou cada degrau do sucesso com seu suor. Ele teve alguns bons amigos que estiveram sempre ao seu lado e, é claro, minha mãe; ela que sempre lhe deu forças para prosseguir. Hoje com o falecimento do velho ela está deprimida, até porque não faz muito tempo da sua partida".- Meus sentimentos - Disse-lhe apertando a mão amavelmente - Prossiga! - Pois bem, como eu dizia com a morte do velho veio várias mudanças; uma delas foi que tive que assumir a presidência da empresa da família mesmo sem ter nenhuma experiência. Visto que, o único assunto do qual eu poderia falar com propriedade são as noitadas; resolvi assinar um documento, o qual delegava o braço direito do meu velho, um advogado da família, a assumir a presidência por um tempo. Este o fez. As ações começaram a subir, fato que não acontecia a anos, enquanto ele estava a frente resolvi investir na minha formação para gerir a empresa. Logo que concluí, entrei na administração, ainda o tendo a frente; comecei a perceber algumas falcatruas na renda. Investiguei e descobri que estávamos sendo roubados; tomei as devidas providências para tal, assumi meu lugar de direito e coloquei na prisão o larápio, que a essa altura já quase nos levou a falência. Mas hoje me vejo de mãos atadas, porque para reestabilizá-la necessito demitir alguns funcionários, os quais me tornei muito amigo nesses últimos tempos. Não sei o que fazer!- Você seu moço, é um dentre tantos outros que estão enfrentado tempos difíceis. Mas não se deixa abater, a vida é majestosa; lembre-se que após a chuva o sol aparece novamente.***As palavras de conforto deste homem faz com que minha alma abrande, mas não sei se conseguirei tomar as decisões certas; nunca as precisei tomar, sempre foi meu velho que as administrava. Minha vida se resumia em noites de baladas, conhecer moças, seduzí-las... Até que conheci minha esposa, uma bela jovem de cabelos castanhos, cujo qual era extremamente cacheado e volumoso, olhos tão castanhos quanto o cabelo e a pele. Ah, a pele; esta de uma beleza estonteante, tão bela e macia... Gosto de brincar com ela dizendo: " és a morena dos meus sonhos, creio estar no céu ou bem próximo a ele". Conheci ela em uma noite bem conturbada; meu velho estava piorando cada dia mais e nesta noite, sobretudo, ele andava muito mal. Eu não me conformava, e não me conformo ainda hoje, por ele ter adquirido tal moléstia; as noitadas foram apenas válvulas de escape, uma forma de esquecer os problemas, sobretudo esse. Sinto que falhei com minha mãe, sei que num momento como este deveria eu estar ao lado dela dando-lhe forças; mas como lhe daria forças se nem mesmo eu as tinha?! Creio que tu, amigo (a) leitor(a), deves estar a dizer: "És um filho ingrato, deixara a mãe desamparada quando ela mais precisou!". Eu te suplico, amado(a) leitor(a), não me condene! Saibas tu que eu estava desesperado e desamparado, não sabia o que fazer. Iria perder o meu velho e não podia fazer nada para evitar tamanha tragédia na vida de minha mãe e na minha; perder aquele que um dia fora meu herói é muito causticante, só quem o já perdeu sabe o que é tamanha dor...Esse rélis pescador está a me ouvir a vários minutos, com olhar amigável ele me diz palavras de consolação, no entanto, eu sei que errei comigo e com meus pais; nunca fui o filho "perfeito", ao contrário, sempre causei problemas. Durante o período do ginásio quase fui expulso por aprontar uma brincadeira com um colega de classe; devido a escola ser em período integral nós ficávamos lá até as cinco horas da tarde, costumávamos tirar uma soneca após o almoço e foi durante essa soneca que aprontei. Meu amigo estava dormindo num pequeno colchonete, que usávamos para as aulas de educação física, no laboratório de ciências tinha umas formigas extremamente agressivas; eu peguei o recipiente e as levei até ele, chegando lá virei-as sob o colchonete, ele, quase que imediatamente, levantou gritando devido as picadas das formigas. Fui levado para a diretoria, meus pais foram chamados e só não fui expulso por causa de minha mãe que suplicou ao gestor para que me deixasse ficar; ele concedeu. Porém, havia uma condição, esta era que eu deveria prestar serviço na cantina da escola por um mês; achei divertido! E neste mês aprendi uma lição, jamais coloque formigas extremamente agressivas em seus amigos quando estes estiverem dormindo ou sob qualquer hipótese. ***O moço estava me contando alguns fatos de sua vida, não pude deixar de achar graça quando ele falou das formigas - espero que meu filho não faça isso nunca (risos); falou que sua esposa era uma formosura de mulher, "que sorte a dele" penso eu " a minha já não existe mais, faleceu quando meu filho nasceu." Noto que sua face ora alivia ora tenciona, deve estar muito preocupado com algo importante mas ainda não me atrevo a perguntar o que seria; peço que ele observe a sua volta e me descreva o que vê.- vejo pessoas transitando, mas o curioso é que elas só vão em uma única direção; vejo as águas do mar, que por sinal correm apenas em uma direção assim como também as aves e peixes. Isso me parece estranho e incomum. Percebo um belo lugar logo mais a frente, com luzes multicolores; nele está sentado um senhor... Devido a distância não o reconheço, mas devo dizer que as pessoas que aqui passaram a pouco, estas eu conheço; em algum momento da minha vida cruzei com elas.- Digo-te, filho, que estais a ver superficialmente. Tente olhar com mais atenção. - As pessoas, sobretudo aquele senhor, parecem alegres em me ver; parecem orgulhosas por algum motivo, o qual não sei lhe dizer. Existe um lugar mais afastado e escuro logo mais ao lado...espere! Tem alguém lá observando tudo isso, e me parece triste. Deveríamos ir até ela? - Não filho, ainda não - disse-lhe eu calmamente - a ele não podemos ajudar agora, deixemos que fique mais um pouco sozinho; quando ele estiver pronto saberemos. ***Não tenho como não deixar de olhar para aquela figura em meio ao breu daquele lugar; fico pensativo, o que será que o aflige? Deveras, não sei e não saberei até que o vá falar com ele. Gostaria de ir neste exato momento, contudo, o senhor ao meu lado falou-me que não o podemos ajudar neste momento. Esperemos pra ver o que acontece.O pescador ao meu lado percebe minha inquietude e me convida a dar uma volta pela mata aqui próxima a praia; levantamo-nos e fomos. Ao longe se ouve o som dos pássaros, o qual parece uma ópera, pude ver inúmeras flores, nestas haviam várias borboletas de todas as cores imagináveis. Bem no centro deste local tem um pequeno lago, e neste há um banquinho; sentamo-nos nele e ficamos a observar por um tempo, sem dizer nada, a água do lago. Esta era bem límpida aponto de ver os peixes nadando de um lado para o outro; finalmente algo que me pareça normal, visto que lá na praia as pessoas e as ondas corriam em apenas uma direção. Fiquei intrigado, mas isso já é assunto pra outro capítulo.
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O miserável
Nouvelles"(...)notando minha angústia e tristeza: "vai ficar tudo bem, meu filho!" ele disse. A voz, de um grave impressionante, lembrou-me meu pai; deixo o pranto rolar para limpar minha alma e aos poucos vou me sentindo mais e mais aliviado(...)"