Resquícios do passado

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Peço para que o moço olhe bem para este pequeno lago e me diga o que vê; ele começa dizendo que enxerga uma criança e que esta se parece com um irmão seu, o qual faleceu ao nascer, complementa: "não cheguei a conhecê-lo e se o pudesse, faria! Minha mãe sempre me falou dele e em como ele morreu. Lembro como sendo hoje, ela a me contar... Ainda não direi qual a causa do seu óbito, não quero causticá-lo." Eu o ouço sem interrupção; deixai-o transcender suas mágoas, elas devem ser lavadas pela tempestade das lágrimas, dos ventos favoráveis.

***

O sol já está alto, passam das seis da manhã; os pássaros gorjeiam como os sons dos clarins, os ventos marítimos sopram sob a copa das árvores. Estas fazem do ambiente um local agradável, bom para reflexões; mas não creio eu ser este o momento adequado. Ao olhar para este lago, posso ver um garotinho que parece muito com meu irmão; meus olhos enchem-se de lágrimas, não as posso conter. Minha mãe me contou uma vez que ele morreu dormindo como um anjo; o fato de saber desse detalhe me consola, mas não o suficiente para conter a água que começa a rolar dos meus olhos para o meu rosto, passando direto pelas minhas bochechas. Gostaria de conhecê-lo, como gostaria... Se ao menos eu pudesse conversar com ele, abraçá-lo ou apenas vê-lo; isso me bastaria. Nesse momento de angústia, o que me vem a mente é apenas um retrato que tenho dele, o qual me presenteou minha mãe. Ele parecia ser um menino saudável não fosse o fato de possuir uma síndrome; esta chamada síndrome de Ondine, a qual durante o sono pode fazer com que a criança fique sem respirar. Foi esta que atingiu meu irmão. Ah, meu irmão se tu soubesses o quanto fazes falta! Seria ótimo encontrá-lo, conhecê-lo... Observo a água deste lago; a qual tenho a estranha sensação de serem lágrimas derramadas por algum infortúnio, amargura...

***

Observando as águas paradas deste lago tenho uma imensa sensação de alívio, é como se ela me lavasse - purificasse; tudo a minha volta parece ganhar um novo brilho, até o sol, que nasce neste momento, parece sorrir. Os pássaros continuam com sua cantoria incansável, a qual é realmente estonteante; sinto mais alegre, renovado é a palavra adequada! Sinto um imenso orgulho brotando dentro de mim, como se o sol dissesse que sou vitorioso, que ganhei algum prêmio por mérito... Talvez minha recompensa por fazer o melhor seja essa, a admiração própria. Sinto o moço amargurado com algum fato que o perturba, a dúvida me consome; será que devo eu interferir nos seus pensamentos? Ou seria melhor deixá-lo vencer essa batalha sozinho?

***

Quanta decepção consome meu ser! Cabisbaixo deixo uma lágrima correr, nascendo em meus olhos, passando pelas minhas bochechas e desaguando neste lago. Se este entendesse o real motivo de tal lágrima, que será que diria? Será que refletiria para mim uma imagem positiva? Ou apenas me deixaria nessa batalha sozinho? É melhor deixar de devaneio e tirar esses pensamentos da cabeça; o senhor ao meu lado me parece bem alegre, isso me deixa mais animado. Contagiante a alegria dele! Começo a notar que os pássaros cantam como se estivesse em uma apresentação musical; uma doce melodia entra pelos meus tímpanos, junto com o som do vento que anuncia a chegada de uma tempestade. Esta ainda está longe, mas logo chegará em nós. 

O miserávelOnde histórias criam vida. Descubra agora