Two: winter by Rosé

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Eu odiava o inverno.

Na Austrália, os invernos eram frescos e mal usávamos casacos grossos, quase como três meses de descanso do calor intenso do resto do ano. Aproveitávamos a estação para ler livros em família e passear nos shoppings.

Quando Alice anunciou que passara num vestibular para outro país, eu fiquei surpresa. Sempre soube que minha irmã era capaz de conseguir, afinal, a genética foi muito bondosa conosco: beleza e inteligência, quem poderia pedir mais?

Era compreensível a decisão dos meus pais de acompanharem minha irmã, mas não fazia sentido não me deixarem ficar na Austrália. Tudo bem, eu tinha dezesseis anos e era uma adolescente com síndrome de Regina George, mas qual o problema? Só faltava um ano e meio para a minha formatura, eu certamente conseguiria sobreviver sozinha.

Ou não.

Não pretendia voltar à Coréia tão cedo. Primeiro porque meus avós tinham muitos gatos e eu era alérgica a eles, e segundo que nunca me adaptei aos costumes orientais. Nenhum familiar além dos meus pais e de Alice sabia da minha sexualidade e sendo sincera, eu nunca quis que soubessem. Aquela era uma parte da família que eu não dava tanto valor assim.

Um mês antes de nos mudarmos, minha mãe veio conversar comigo. Disse que tinha feito a minha matrícula num colégio na parte suburbana da cidade, para que eu conhecesse melhor outras realidades. Não reclamei, mas também não fiquei satisfeita. O jeito era aceitar que em breve mudaria de país e deixaria tudo o que construí na Austrália para trás, junto com a Oceania inteira.

O dia da partida foi difícil, ter que me despedir da minha melhor amiga Somi foi mais doloroso do que pensei que seria. Nós choramos muito no aeroporto e ela prometeu me visitar assim que se formasse. Eu sabia que aquilo não ia acontecer, vivemos no mundo real e amizades supérfluas como a que tínhamos não são fortes o bastante para sobreviverem a quase dois anos sem contato.

A primeira coisa que fiz quando cheguei no novo país foi pintar o cabelo. Se fosse para ter um "primeiro dia de aula" pela segunda vez naquele ano, que fosse em grande estilo. Mamãe surtou quando viu que as mechas castanhas deram lugar a um vermelho vivo.

— Acha que ela vai me deixar de castigo? — perguntei baixinho para Alice, na noite anterior ao meu primeiro dia de aula na escola nova.

— Não, se ela não me deixou de castigo quando coloquei um piercing escondido dela, não vai fazer nada com você — respondeu ela, me dando um beijo na testa. — Agora durma, nós duas temos aula amanhã.

Minha irmã acabou optando por ficar em casa, porque achava que não ia se adaptar em um dormitório. Além do mais, nossa casa ficava a apenas quarenta minutos do campus e quinze minutos do meu novo colégio.

Alice sempre foi a versão perfeita de "irmã mais velha e super legal" dos filmes. Aquela que te dá as primeiras explicações sobre a puberdade ou te ajuda quando você tem o seu primeiro porre — não que isso tivesse acontecido comigo, jamais. Se eu tivesse uma irmã mais nova, queria ser uma irmazõna tão incrível quando ela.

Por todo lugar que íamos, enxergávamos neve. Era estranho, as únicas cores que meus olhos puderam captar nos primeiros dias naquela cidade foram azul, branco e cinza. Na Austrália as coisas eram mais amarelas, laranjas e vermelhas, como se vivêssemos o ano inteiro no verão. Meu corpo não se adaptou bem ao frio de temperaturas abaixo de zero, e aquilo estava me matando. Eu teria que usar peças de roupa mais grossas ou até mesmo aumentar o número delas. Era um saco ter que modificar meu senso de moda para aquele lugar. Sem contar que meus dedos passaram a ficar constantemente roxos e a ponta do meu nariz, vermelha.

— Não se esqueça: sua primeira aula é de trigonometria na sala B-4 — Alice disse pela milionésima vez, enquanto dirigia. Seus dedos tamborilavam no volante, ela estava nervosa.

Quatro estações - chaelisa [HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora