Abby
A primeira coisa que lembro de toda a minha vida é a linha cinza do horizonte, como eu me sentia engolida por casacos e tossir. Talvez tenha passado parte da minha infância tossindo e perdendo o ar, usando bombinhas e indo a emergências. Acho que a memória do céu acinzentado é de um quarto de hospital, mas não posso afirmar. Meus pais trabalhavam em Cleveland, Ohio, com a indústria do aço. A cidade ficava tão perto do Canadá que sentia o frio na espinha e o ar tão poluído que era difícil respirar. Nasci lá e passei os meus onze primeiros anos entre nossa casa e o hospital. Era dona de uma asma severa que gritava a cada mudança do tempo.
Um dia mamãe anunciou que iriamos morar na cidade da vovó, Riverville, Texas. Era muito muito longe do que eu chamava de casa e conforme a céu mudava na estrada, enquanto meus pais se revessavam dirigindo, sentia o calor entrar dentro de mim.
Eu, Abigail Rose McAlister, era uma texana de coração, mesmo não tendo pisado no estado na minha primeira década de vida. Amava o calor, o ar quente, as pessoas, as botas e os chapéus, o clima de cidade pequena. Ser jogada de Ohio para o Texas foi um choque, mas estava feliz. Meus pais começaram a trabalhar com a vovó na livraria e fazer alguns trabalhos de construção pela cidade em um negócio próprio. Enquanto a mim, comecei a respirar, finalmente sem medo e sem sentir arder, o ar faltar, a bombinha ao lado.
As coisas só foram se encaixando naquele primeiro verão.
As aulas chegaram semanas depois que chegamos ao Texas e de repente surgiu Grace.
Lá estava eu. De 11 para 12 anos, começando o Junior High em uma cidade estranha e com medo de que ninguém fosse com a minha cara. Riverville era pequena, então nossa escola ficava perto de San Angelo, 30 minutos de casa, e minha tortura começou com o ônibus escolar. Entrei naquele veículo amarelo, tentando me afundar em minha mochila e ajeitando meu óculos quando vi que tinha apenas um lugar vazio ao lado de uma menininha com cabelos ruivos caindo por todos os lados. Todos os outros olhos estavam sob mim, a menina estranha, mas ela não, só me sorriu com um ar meio moleque e me encarou.
- Posso... posso me sentar? – perguntei falando mais baixo do que deveria, em uma crise de timidez que não seria nem a primeira nem a última da minha vida.
- Claro! Sou Grace, você é nova... nunca te vi por aqui... – e assim Grace começou a tagarelar, fazendo um monólogo de mais de 20 minutos sobre suas férias em casa ajudando o irmão e Colin com cavalos e de como ela queria ser veterinária quando crescesse. Ela tinha esse sotaque suave e meio cantado dos texanos e foi divertido ter alguém tão aberto como ela a meu lado.
Grace me adotou depois disso. Nos dias seguintes, meu lugar era a seu lado no ônibus, na sua frente nas aulas e onde desse durante o almoço. Ela estava decidida a ser minha melhor amiga. Era engraçado como ela se esforçava a me tirar da minha concha e eu era cada vez mais conquistada por aquela garotinha de cabeços vibrantes e língua ferina.
Uma mês depois de eu entrar no colégio e ainda me recuperando, alguém me empurrou no recreio só para Grace vir voando e empurrá-lo de volta. Estava tossindo e só ouvia as vocês ao meu redor, como:
- Por que está andando com essa menina doente! Vai pegar doença!
- A cabeça de abóbora tem uma amiguinha nova...
Ela deu um soco em quem quer que seja e, quando a diretora chegou para separar a confusão, me mostrou curvada e tossindo e fomos todos para a enfermeira do colégio. Grace nunca foi castigada e aquela foi uma das minha últimas crises respiratórias.
Grace me contou tempos depois que ela era muito sozinha porque as meninas queriam falar de televisão e garotos enquanto ela gostava mesmo de cavalos e rodeios. Gostava de livros, e entre nós duas, nos divertíamos e apresentávamos coisas novas uma para a outra. Um dia, peguei na livraria da vovó "Harry Potter e a Pedra Filosofal" e levei para Grace, que ficou encantava e passamos a ler juntas, todos os dias, depois do almoço.
Era como se as coisas estivessem se ajeitando aos poucos. Amava a cidade, tinha uma amiga pela primeira vez e ela se interessava pelas minhas coisas. Mamãe e papai tinham tempo porque era uma cidade pequena e trabalhavam perto de casa. E então eu vi Jared.
Eu era grudava em Grace já fazia mais de seis meses, e nós íamos e voltávamos de ônibus. Algumas vezes, minha amiga ficava comigo na livraria – ler tinha se tornado um passatempo nosso – e Miranda, sua mãe, ia buscá-la quando começava a escurecer. Um dia ela não veio e em seu lugar veio seu irmão.
Jared tinha 17 anos, cabelos castanhos avermelhados e olhos azuis brilhantes. Tinha essa cara de quem sempre estava contando uma piada, com o riso fácil, e tinha um chapéu grande demais na cabeça – que soube anos depois, era de seu pai que tinha morrido poucos anos antes. Ele sorria com covinhas e parecia um imã para mim, que ficava com vergonha apenas de olhá-lo.
Isso se repetiu não uma nem duas, mas várias vezes. Se eu conseguisse falar "Oi" sem gaguejar era uma vitória. Tinha 12 anos e sem idade para pensar em garotos, mas este cinco anos mais velho despertava algo em mim que só fui entender alguns pares de anos depois. O que eu lembro dessa época? Que jurei para mim mesma que casaria com Jared.
Abby Richards era o nome que eu amava escrever em cadernos quando ninguém via. Tirar fotos escondida, guardar pequenas memórias. Quando comecei a ficar cada vez mais tempo na casa de Grace, fui aprendendo a relaxar a seu redor, mesmo ciente desse amor adolescente que enchia meu coração e fazia minha mão tremer e suar só de pensar nele.
Aos 15 anos, Grace já tinha sua cabeça cheia por Colin Duke. Mas ela sempre falou demais, agiu demais. Era impulsiva e quebrou a cara algumas vezes. Enquanto ela gritava para quem quisesse ouvir que era apaixonada por Colin, eu me escondia atrás de meu rabo de cavalos, óculos e roupas muito largas, observando Jared suado, musculoso, sem camisa.
Quanto mais perto da vida adulta ficava, mais ciente dos meus hormônios e do meu desejo por Jared. Como era impossível me esconder dele, só agia de forma esquisita e meio calada e ele me tratava de um jeito distante, como a amiga da irmã mais nova.
Foi por volta desta época que meu coração começou a apertar. Aos 18 anos, Jared entrou no circuito de rodeio, montando cavalos, fazendo provas de corda e tambor. Aos 21 ele começou a montar touros. Ia com Grace e torcia, e rezava, e Jared nunca teve mais do que uma queda ou um arranhão. Ele ganhou dinheiro, mas não era o suficiente para aguentar a preocupação, então quando a fazenda começou a dar lucro, ele foi participando cada vez menos dos circuitos.
Tinha zero expectativas mas me derretia quando ele sorria para mim. Sabia que aquilo não era especial. Ele era assim com todas. Mesmo.
- Jared é tão bonito... tão másculo... – ouvia pelos corredores da escola de pessoas que vinham falar com Grace só por descobrir quem era seu irmão. Era um clássico. Elas tentavam se aproximar dela e quando conseguiam o telefone de Jared a esqueciam. Ela fingia não se importar mas sabia que no fundo se sentia usada.
Era um desfile de mulheres. Colin e Jared eram os solteiros indomáveis da região, os galãs de Riverville que faziam senhorinhas corarem com um sorriso. Enquanto Colin fazia suas coisas escondido, sumindo pelas cidades vizinhas ou parecendo sem tempo pela faculdade, as histórias de Jared eram lendárias.
Pessoas juraram que viram ele nu e dependurado em uma janela a duas quadras da livraria porque um marido ciumento chegou. Ele manteve um relacionamento com duas irmãs ao mesmo tempo, usava apelidos para as mulheres porque não conseguia lembrar seus nomes. A única lealdade dele era para sua família e para Colin.
Jared Richards era um cafajeste, mas mesmo assim, eu era apaixonada por ele e não conseguia fazer parar.
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O Coração do Cafajeste - Degustação
RomanceAbby se apaixonou por Jared quando tinha 12 anos, mas este primeiro amor está longe de ser uma lembrança de adolescência e continua a acelerar o coração da livreira de Riverville. Mas o cowboy é um cafajeste, que muda de mulher a cada noite e nunca...