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VÊNUS EM TOURO ♀ 01
Dia desses quando retornei ao Brasil, minha avó aproveitou o delicioso momento pós-jantar em que estávamos todos à mesa – os netos, os filhos, noras e genros –, e perguntou o que havia mudado em nossas vidas da adolescência para a fase adulta.
Minha prima Raquel desatou a falar. Disse estar feliz pela gravidez de gêmeos, que a vida de casada era uma maravilha, que ficar trancada em seu castelo particular enquanto o seu macho alfa ia à selva asfaltada, caçar o alimento de papel que tinha número e figura, era o seu paraíso.
A feição da minha avó permaneceu a mesma: confortavelmente entediada enquanto tinha um derrame. E isso se seguiu por todos os netos; ao total éramos sete. Chegada a minha vez ela estava erguendo uma bandeira branca, havia perdido o interesse naquele assunto, vendo tanta monotonia na vida de pessoas tão jovens.
Ela percebeu que toda família caminha assustadoramente para a civilização, inclusive a sua. Entenda civilização por “ser mais um” dentro da sociedade. E minha avó, suspeitava eu que ela havia sido comunista nas encarnações passadas, precisava ouvir algo enérgico, interessante, que fizesse valer a pena ter tido uma ninhada que procriou em outra ninhada.
Fiquei hipnotizado com a toalha de mesa, vermelha com detalhes em branco, abaixo de suas mãos. O que era aquilo ao centro? Uma meia lua com um pinto no meio? Uma foice com um martelo? Ou o capitão gancho dando banana para a terra do nunca? Quando voltei do meu devaneio, tive um estalo esporádico para chamar sua atenção.
— Lembra daquele rapaz que ia lá em casa, dar estudo bíblico?
Minha avó fez que sim, jogou o guardanapo na mesa e se levantou para lavar a louça. Sua cara azeda refletiu um “vai falar de Jesus uma hora dessas? Nem fodendo”. Já estava abrindo a torneira quando disparei:
— Então, ele deu muito mais que um estudo.
Ela voltou a se sentar imediatamente e debruçou-se interessada sobre a foice e o martelo na toalha de mesa, seu sorriso foi mudando do derrame para uma epilepsia. Minha mãe conteve a risada e encarou seus irmãos, orgulhosa de ter uma ovelha negra na família, uma ovelha que havia saído dela.
— Como assim ‘mais que um estudo’? — Raquel perguntou, audaciosa.
— Um dia, provavelmente um domingo, eu tinha saído com os caras para andar de skate lá na praça. Voltei suado, cansado e esquecido, é claro, do compromisso que havia marcado com o Julian. O nome dele é Julian — disse para minha avó, que já estava sorridente com o que se seguiria, aquele olhar de quem não corrompe, mas ama o que é corrompido. Alguns primos levantaram, alguns tios saíram, minha mãe me fez um longo cafuné e se levantou, por que estava cansada de ouvir aquela história. — Daí convidei ele para entrar, pedi desculpas pelo meu estado, ele perguntou se podia voltar outra hora.
— E...? — minha avó interrogou, com reticências claramente vermelhas.
— Eu fiz questão que ele ficasse. Íamos completar um mês desse bendito estudo e até que era gostoso provocá-lo. O legal de conversar com essas pessoas, é que elas vêm com respostas prontas. Então você cria novas situações para ver se elas podem responder fora da teoria.
— Tipo? — ela queria qualificar, assim como uma comunista gosta de separar e classificar os outros.
Quando cheguei de Lisboa, fui direto ver minha mãe. Ao que ela disse: por que não vamos visitar a sua avó? Fomos, afinal, era melhor visitá-la a ir ver meu pai, que era prisioneiro do próprio trabalho, vivia atrás de uma mesa e mal sabia como era o meu nome completo e frequentemente errava a minha idade.
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Vênus em Touro [DEGUSTAÇÃO]
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