Lembro das vezes em que eu cantava nos restaurantes da cidade, ele me observava com aquela cara que sempre me deixava envergonhada. Suas mãos no queixo e aquele olhar fixo ao meu se tornaram sua marca. Talvez metade do motivo tenha sido porque ele adorava me ver com o casaco azul que ganhei de uma amiga minha. Eu nunca soube o porquê de ele ter amado tanto aquela roupa. Aquele topete azul era parte mais tocada por mim, nas vezes em que conversávamos com sua cabeça apoiada em minhas pernas e eu fazendo cafuné em seu cabelo. Na última vez que fomos para o cinema, ele desistiu do filme e me levou para o ponto mais bonito da cidade para assistir ao pôr-do-sol. Naquele dia, ele me prometeu que independente do que acontecesse em nossas vidas, sempre me teria em seu coração. Meu coração bateu como na primeira vez em que nos vimos. Na maior parte de nosso tempo, eu confiei nele. Tenho quase certeza de que ele, na maioria das vezes, também confiava em mim. Hoje eu sei a verdade. Algo teve de acontecer pra eu saber. O mundo todo sabia que no começo, eu não acreditava em amor e tinha minhas dúvidas em relação à sorte. Eu nunca imaginei que aquilo fosse acontecer, nunca imaginei que um dia poderia abalar meu espírito.
Estávamos no verão, naquela manhã eu estava me recuperando da festa em que havíamos ido na noite anterior.
Lembro de ter acordado com várias mensagens e ligações. Apenas descobri o ocorrido quando depois de muito recusar chamadas, atendi à ligação de meu amigo. Estava ofegante e com a voz de choro. Mal conseguiu se expressar ao dizer que o meu garoto havia morrido. Meu mundo acabou naquele momento.Nas duas semanas seguintes, a escola estava em choque com o fato. Era o assunto mais comentado. Os alunos de todas as séries faziam homenagens de todos os tipos para ele. Nunca houve um caso de morte súbita na cidade e aquilo, obviamente, foi um choque para todos. Minha descrença pelo amor havia retornado. Eu, de forma alguma, conseguia entender o porquê de ter acontecido com ele. Sempre percebi a vontade que meus amigos tinham de me animar, mas fingia ser fria pois se eu demonstrasse meu lado frágil, eu me acabaria.
Ali estava eu, firme e forte, com um sorriso gigante estampado na cara. As pessoas não faziam ideia de que por dentro, eu era sozinha e incompleta. As coisas á não eram mais as mesmas. Toda sexta-feira, meus amigos me levavam para a praia. Naquela cidade pacata, o litoral era o melhor lugar para se passar o dia com os amigos. Mesmo tentando esquecê-lo, eu me sentia assombrada por ele.
Nossas memórias desde então se tornaram mais nítidas. Eu sentia que éramos um só, eu o sentia comigo. Não eram todos que caíam no meu jogo de ilusão.
"Você precisa seguir em frente ou você nunca vai ter melhorias em sua vida", diziam. A verdade é que eu não ligava para o que diziam. Eu sabia o que estava acontecendo por dentro, ninguém sabe o que realmente passamos. A minha vontade de ir para praia acabou quando eu vi sua silhueta caminhando pela borda onde a areia de a água se encontram. Me chamavam de louca, outros diziam que eu precisava de ajuda.
Filip veio até mim, enquanto eu corria pela areia. Antes que eu entrasse na água, e chamou por meu nome.
– O que você tem? – indagou.
Nos primeiros momentos, hesitei em responder. Eu sabia que poderíamos discutir, mas não queria deixá-lo falar idiotices sobre mim.
– Você sabe como tem sido difícil para mim sem Eduard por perto – ele sabia minha dor, mas persistia em me fazer parar de pensar em quem eu queria. Hoje, eu sei como as coisas podem ser complexas. Pessoas são passageiras.
– Você sabe que...
Foi tudo que eu ouvi depois do que falei. O ódio tomou conta do meu corpo e, sem pensar em ninguém, voltei para casa, na esperança de não ter ninguém para enfim chorar em paz.
Naquela mesma tarde, visitei o lugar em que costumávamos ir para apreciar o crepúsculo. Acariciei com carinho os objetos que deixávamos escondidos ali. Peguei o livro de poesias empoeirado, que escrevemos juntos. Observei as borboletas voando, e me lembrei das vezes em que eu abria os braços para sentir a sensação de voar. Naquele dia, eu não queria voltar para casa. Algo me atormentava internamente é uma vontade imensa de morrer, pouco a pouco, me dominava. Já não aguentava mais perder pessoas; primeiro meus pais, agora ele.
Na semana seguinte, concordei em passar os sábado e domingo em uma casa de praia, a casa dele, com meus amigos Alec, Fernando, o menino mais falso da escola, que na verdade nem sei porque chamei de "amigo". O único motivo de ele ter ido foi porque Agnes insistiu muito. Ainda ouço como se fosse agora, ele dizer que um dia, ela seria nossa. Vaguei por todos os cômodos, enquanto Thomaz, Filip, e Annie, outros amigos que eu havia convidado, preparavam o quarto dos hóspedes para dormir no andar de cima. Não era uma casa muito grande. Ele pagava a construção com seu salário ralado e a mesada que recebia de seus pais todo mês.
De forma surreal, sempre conseguiu fazer o dinheiro durar. Caminhei até ficar cara a cara com a linda porta de vidro que ficava em seu quarto. No primeiro momento, hesitei em entrar, mas depois de pensar bastante, resolvi criar coragem nas pernas. Sua cama continuava a mesma, seus travesseiros estavam espelhados por cima dela. Entrei em seu closet. Lacrimejei ao lembras das vezes em que discutíamos por nunca ter deixado eu pôr minhas coisas nele. Sempre se defendia com o argumento: "esse lugar precisa ser minha cara...e cheiro". Peça por peça, experimentei cada uma de suas roupas para também, sentir seu cheiro. Me senti confortável assim que o enxerguei em meu reflexo. Suas roupas até que não ficavam tão ruins em mim. Passei pela cozinha dele, o nosso lugar favorito. Era lá onde aconteciam as invenções de receitas que fazíamos todas as semanas. Passando pela porta dos fundos, desci até a praia. Lá de baixo, me vi chamando por seu nome enquanto sorria e fingia não me ouvir. Você lembra da primeira vez em que estive nessa casa? Eu estava nervosa. Ainda estava me acostumando a ficar perto de você. Você sempre me confortava.
Naquele mesmo dia, fizemos uma festinha em comemoração à nossa atual e sua velha vida. Alec havia deixado em uma mesa ao lado da cadeira em que eu descansava, uma garrafa de refrigerante. Depois de dois goles, descobri que estava misturada com álcool. Levantei e corri em direção ao mar.
Antes que eu me jogasse na água, eu o vi. Na minha frente, o meu grande amor brincava na água. Não sabia se era ilusão.
Ele veio até mim.
— As meninas me falaram que você andou pensando nele — disse. — Você prometeu que hoje celebraria sua vida, e não se lamentaria pelo ocorrido. Todos estamos sofrendo. Ele não quer que fiquemos tristes então, por favor, contente-se.
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Quando Olho Pra Trás
Teen FictionDe um lado, Julie tem que lidar com a morte de seu namorado e de outro, seu amigo Alec tem que lidar com o sofrimento e um pequeno e repentino desafio. Não era isso que você queria? Uma história pequena?