Primeiro Capítulo

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Ainda que me doa os músculos, o que mais quero é chegar em casa e envolve-la em meu abraço. Vou beijar todos os espaços de seu corpo e declarar que nada sou sem ela. Eu quero tê-la bem perto para me desculpar por ter estado tão longe quando mais precisou de mim. Sei que tirei suas noites de sono. Sei que a fiz sentir saudade.

Estive distante, sem saber se viveria. Meio perdida e aflita. Eu machuquei minha própria carne por um bem maior. Deixei, porém, de pensar em quem mais amo. No momento em que me despedi dela e fechei a porta atrás de mim, perdi todas as minhas certezas.

Volto para casa carregando marcas grotescas na pele. Trago pensares coléricos numa cabeça em toneladas. Estou cansada; pesada. Passei semanas num lugar que nunca quis estar e vi o que nunca quis ver.

Sem poder tocá-la e dizer que a amo olhando em seus olhos. Sem seu colo para me consolar, quase perdi o que me restava de força. Eu não pude beijar sua barriga e agradecer pela vida que há bem ali, esperando para nascer. E Deus! Isso me fez falta. Me fez mal.

E agora, quando toda aquela tragédia havia sido encerrada, eu voltei para ela e para nosso bebê. Sinto-me afoita! Estou louca para ver o meu amor.

Todavia, há um infortúnio que me suja o coração. Sou só humana. Uma mulher forte, mas humana. Eu vi a força da terra me arrastar as pernas e vi a água em fúria que caía do céu sem sessar.

Eu vi coisas demais.

Também ouvi o grito desesperado do pai que não veria mais a filha. Conheci a criança que foi à escola no dia e escapou da morte. Eu senti o sufocar de um pedido de socorro e não pude ajudar.

Minha mente me castiga, mas fiz tudo o que me propuseram. Eu lutei por qualquer vida. Fiz todas as coisas que pude. Dei todo o meu corpo.

Mas não foi suficiente.

Minha respiração tornou-se forte e meu peito arfou quando senti o cheiro de casa. O pior estágio da minha vida havia passado. Eu estava de volta, mesmo que fragmentada.

Escutei o piano melodiar notas apressadas. Era ela! Era a minha Camila. A música fez-me flutuar e, logo, senti o conforto e segurança de se estar bem ali, perto dela. Cheguei sem que me visse. Sua atenção se encontrava presa naquele piano velho. Ela tocava com a alma, majestosamente.

Encostei no batente da porta e aquela cena não demorou para me emocionar. Lágrimas caíram, teimosas. Havia segurado o choro dentro de mim por muito tempo. Foi um pranto de dor e alívio que eu quis que acabasse o quanto antes. Camila me escutou chorar e virou-se depressa, sem esperar que fosse me ver. Seus olhos nem acreditaram.

Como mágica, um peso enorme deixou meus ombros quando ela me olhou. Seu sorriso me causa efeitos surpreendentes, eu nunca sei como explicar.

Ao pegar suas mãos e vê-la me acompanhar em lágrimas, eu sorri. Camila tocou meu rosto, secando-o, e beijou meus olhos. Beijou as bochechas, o nariz, a testa e minha boca.

Ela encaixou seu rosto em meu pescoço e chorou, sem nada dizer. Seus braços estavam firmes envoltos à minha cintura e, por um instante, seu perfume me fez esquecer do odor da tragédia que havia se impregnado em minha memória.

­- Ei... diga alguma coisa, amor. Me deixe ouvir sua voz - pedi.

- Nunca mais vá embora, Lauren, por favor. Nunca mais! - Seus castanhos me encaravam em súplica.

- Estou aqui agora, vida. Voltei para você.

- Não teve um dia que deixei de chorar. Eu senti medo o tempo inteiro, Lauren.

Fechei os olhos e a apertei ainda mais contra o meu corpo. Eu sei que a desesperança nos tira o chão. Estou de volta e prometo dar tudo o que sou para confortar a mulher que amo. Afinal, quem sou eu para fazê-la esperar? Aliás, nada sou sem ela.

PerpétuoWhere stories live. Discover now