Acima das nuvens suspensas o cinza da tarde já ia se diluindo ao negrume da noite estrelada, se destacando de longe em tantas cores sombrias vinha viajando de vassoura a muitos e muitos metros sobre o oceano um jovem de sobretudo escuro para se camuflar nos sonhos da noite com uma pequena bagagem de mão marrom, bem amarrada ao seu peito.
Sua viagem tinha sido longa, veio de de camelo pelas montanhas mas devido ao mal tempo das cordilheiras decidiu largar o camelo e se arriscar com a vassoura, não podia se atrasar e tampouco ser descoberto durante a viagem. Ia navegando solitário pelas rotas dos ventos cortando as nuvens ao meio, vez ou outra consultava sua bússola amarrada no cinto.
— Até o anoitecer completo já estarei lá – Pensou limpando os óculos redondos que protegia a vista contra as investidas do vento – Só mais um punhado de tempo e vou poder aterrissar sem ser visto por ninguém.
Conforme anoitecia mais próximo a praia do porto chegava, imerso em seus pensamentos, os vigilantes do céus tem destinos solitários, tem um mundo particular em suas cabeças, e não se sentem pertencentes a nenhum mundo. Caindo do céu em direção a praia do Porto, deixava um rastro brilhante e piscoso desbotando do tecido da noite em alta velocidade. Escolheu as areias após anoitecer para pousar, além de ser mais seguro sabia que ninguém poderia ver sua queda, pelo menos assim pensou.
Sua vassoura era um objeto encantado e por isso decidiu destruir e jogar no oceano. Desamarrou sua bagagem do corpo e levou na mão, seus passos eram leves sobre a areia, o vento fino atravessava seu corpo. Estava nervoso, nunca tinha ido para tão longe em toda a sua vida e pela primeira vez sentia o fogo que arde sem se ver e a ferida que dói, e não se sente.[1]
Chegando no cais do Porto se deparou com as tendas de Curanto (uma mistura de ingredientes da terra e do mar) e Empanadas chilenas. Numa dessas tendas topou com uma mesa com outros três viajantes também, um judeu, um ladino e um rapaz indígena de origem maia.
Ao que parece os três pararam ao porto pois ainda faltava muito para a chegada do destino deles, nosso misterioso viajante decidiu sentar-se em uma das mesas vazias e de longe observou os três de longe.
O estudante ladino e o judeu tinham caminhado a tarde toda até chegarem ao porto, e foi quando repararam que estavam cansados de tanto andar e mortos de fome, ambos colocaram a mão em seus bolsos e viram que cada um tinha algumas moedas, se olharam e pensaram em juntar suas moedas e comprar algo pra comer.
— Um chuchito por favor! – Disse o ladino colocando as moedas sobre o balcão de uma das tendas.
— Ta faltando o cinco pesos de prata pra vocês comprarem o chuchito! – Falou o cozinheiro pros viajantes que cansado dos calotes que tomava de seus clientes tinha enrijecido o controle fiscal da tenda de Chuchito.
Sem esperança os dois desventurados se lançaram a estrada entristecidos, quando por sorte avistaram outro estudante que viajava e também parecia cansado e morto de fome.
Ariel o estudante judeu foi em direção a ele e por trás da ruiva barba engrenhada explicou toda a história.
— Infelizmente não tenho nada em que posso te ajudar meu camarada! – Replicou o rapaz serenamente conferindo seus bolsos também – Ainda tenho uma longa estrada pela frente e no bolso só cinco pesos de prata. – Ao dizer isso pensou um pouco e olhando para os olhos de Ariel e disse: – Eu tenho uma ideia.Cochicharam entre sí e vieram os dois rindo como grandes amigos de longa data em direção ao estudante ladino, que se chamava Juan.
— Juan deixe me apresentar a você Yaxkin – disse Ariel.
Ambos se comprimetaram, juntaram todos os pesos e foram novamente a tenda de Chuchitos.
— Um Chuchito por favor – disse Ariel que agora estava confiante e risonho.
— Podem se sentar que já levo para vocês na mesa – Disse o cozinheiro olhando para os três com curiosidade.
E foi aí que nosso jovem viajante chegou ao porto e se deparou com os três e decidiu observa-los.
Os três conversavam alegres e risonhos, mas Juan que era o mais ponderado pensou consigo: – Isso aqui tem tudo pra dar um rolo.
Yaxkin que era mais esperto dava corda a Ariel para ver até onde a situação ia, e Ariel que embora engenhoso era facilmente tapeado.
— Aqui está o Chuchito – disse o cozinheiro colocando ao centro da mesa.
Os três se olharam e fizeram um trato, que para decidir quem comeria a iguaria dormiram, e aquele que tivesse o sonho mais fabuloso ganharia o chuchito.
"Mas que idiotice é essa, não é mais fácil dividirmos o chuchito em três pedaços" – Ousou falar Juan, mas como também ocorre com as grandes mentes do mundo, seus pensamentos foram silenciados pela incerteza do seu próprio valor. E imbecilizado só concordou mudo pra os dois.
Os três então deitaram sobre os braços na mesa para dormirem, a cena começou atrair a curiosidade não só do nosso jovem viajante, mas de todos que passavam e ficavam curiosos pela multidão que ia se aglutinando em torno da mesa.
— SILÊNCIO! Estão decidindo quem vai comer o chuchito da mesa – Anunciou o cozinheiro da tenda ao público. – Aquele que dos três tiverem o sonho mais fabuloso será o vencedor.
Todos continuaram atônitos e sem entender o que estava ocorrendo, cochichavam entre si com medo de acordarem eles. Pela informalidade alguns gatunos da noite promoviam apostas.
Nosso jovem viajante se exprimia entre a aglutinação com muito cuidado para não ter seu disfarce revelado, mas cuidadosamente pensava: – Ler é sonhar pela mão de outrem.
Passado algum tempo Ariel se levantou como uma tempestade diante todos com o olhar horrorizado contemplava o céu como quem iria anunciar um novo mandamento!
— Meu d'us, Meu d'us! Tive um sonho belíssimo! Diante de mim vi uma grande escada adornada com ouro e muitas flores, subi os degraus ouvindo muitas vozes celestiais cantando canções de uma certa mulher que comprou uma escada pro céu. Subindo caminhava direto para o infinito e toda eternidade. – Disse Ariel aliviando toda a sua existência.
Em seguida Juan despertou e disse:
— Minha nossa senhora! Tive um estranho muito estranho! Sonhei que diante de mim vi uma grande escada adornada com ouro e muitas flores, e ao subir também ouvi cantos celestiais sobre uma mulher que comprou uma escada pro céu, e caminhando te vi Ariel – Disse apontando pro colega – Te vi caminhando com os passos de eterno na eternidade, depois eu caminhei mais um pouco e virei santo, ganhei asas e um chapéu de lâmpada e fiquei tocando harpa por toda a eternidade!
Todos ouviram os dois sonhos com muita atenção, estavam todos assombrados com o relato dos dois, alguns julgaram o retorno de Cristo na terra.
Dos três o único que realmente dormiu na mesa foi Yaxkin, e só despertou porque Ariel o beliscou debaixo da mesa.
Se levantou com tudo como quem toma um susto, com os olhos vermelhos olhou para a multidão que se formou e os outros dois na mesa. Teve um sonho tão intenso e profundo.Yaxkin ao fechar os olhos sonhava que abria os olhos e voava sobre um jardim chinês, Yaxkin sonhou que era uma borboleta, e ao despertar não sabia se era Yaxkin que havia sonhando ser uma borboleta ou se era uma borboleta sonhando que era Yaxkin.
Demorou algum tempo até ele perceber que a realidade e imaginário estavam se confundindo numa coisa só, e que a mistura entre a vigília e sono podem ser coisa muito perigosa.
— Eae? – perguntou Juan – Com o que você sonhou?
Incerto se a realidade que ele via não era a o reflexo de sua consciência em imagem e semelhança pediu para ouvir os outros sonhos.
Após ouvir os outros sonhos decidiu falar:
— Sonhei que ao fechar os olhos vi diante de mim uma grande escada adornada com ouro e muitas flores, ao subir notei que haviam cantos de muitas naturezas, e ao chegar ao topo vi você – apontando para Ariel – Caminhando com conforme suas leis no eterno, depois vi você – apontando para Juan – Santificado com seus dogmas entre o tempo e o espaço preparando o inferno à quem investiga mistérios profundos. Depois disso caminhei um pouco e notei que conforme minhas próprias leis eu deveria descer e retornar ao meu corpo – Se levantou da mesa triunfante – Aqui eu estou novamente e conforme minhas leis, nem o futuro pode se misturar com o passado, nem o presente se esvaziar ao acaso. – Tomou o Chuchito na mão e disse ainda apontando ele aos mistérios do céu – Conforme minhas leis o Chuchito é meu, e nem o céu e o inferno podem me impedir de tomar posse! – Ao terminar seu discurso o enfiou de uma vez na boca e correu em direção ao escuro se perdendo na noite cheia de estrelas.
Todos assistiram aquilo incrédulos da realidade que se descortinava no palco do mundo, quem havia apostado em Yaxkin estava feliz pela recompensa das apostas! Juan e Ariel se enfezaram e saíram no tapa e pontapés, rolavam no chão de um lado para o outro, distante dalí escondido aos olhos humanos Exu cantava, Exu dançava, Exu estava vingado.
Yaxkin fugindo noite adentro entre lágrimas suspensas nos seus olhos para teu destino, triste com e eterno drama das relações humanas, e a terrível herança que carregava de ser eternamente solitário, no teu choro havia as lágrimas e as dores feitas pela sombra da cruz e a espada que banharam e penetraram fundo nessas terras o sangue dos seus antepassados.
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Três Sonhos e um Viajante
FantasyFRAGMENTO DE A INSÔNIA DO MUNDO. Inspirado em um conto popular Guatemalteco, esse conto faz parte do livro insônia do mundo, uma história fantástica ambientada nos contos populares latino americanos. Esse conto em questão Três Sonhos e um Viajante c...