Capítulo I

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Nade, pensei, nade incansavelmente. E foi exatamente o que eu fiz, nadei até sentir que todos os meus músculos estavam morrendo, nadei até não me restar mais nada a não ser o desespero, o medo e a vontade de voltar atrás, eu tinha todos os motivos para dar a meia volta e nunca mais percorrer o reino de Aquorus, para nunca mais olhar a face de meu pai, mas isso seria muito fácil, e certa vez eu escutei algum sábio professor dizer que as mais belas atitudes não eram aquelas que fazíamos com facilidade, mas aquelas que exigiam muito de nós.

Eu precisava voltar para Aquorus, mas não porque queria enfrentar meu pai, ou porque não tivesse outro lugar para ir, mas porque havia um povo lá, e essas pessoas durante vários anos depositaram sua fé e esperança em mim, esperança de dias melhores para eles e seus familiares, e eu não podia simplesmente ignorar isso, não podia colocar meus medos e inseguranças acima do meu povo, que estaria disposto a lutar e dar sua vida por mim se preciso fosse, eu precisava, antes de tudo, protegê-los, e só havia uma maneira de fazer isso: casando com um tritão que eu sequer conhecia.

Parei em uma gruta pequena e observei enquanto alguns guardas andavam pelo perímetro, eles pareciam bem concentrados e nadavam com pressa, de modo que nem sequer notaram que ali próximo havia uma gruta. Assim que eles já estavam bem longe, sai e continuei nadando, sempre atenta, olhando tudo ao meu redor e me escondendo ao menor movimento da água. Quando finalmente cheguei em Aquorus, percebi o quanto as coisas estavam mudadas, as passagens de areia que antes viviam lotadas de sereias e tritões, estavam vazias. Sob todo o reino pairava um clima tenso e até a água parecia diferente, mais escura e densa.

Dentro de mim parecia ter um mar revolto, várias emoções se passavam em meu interior, parei e fiquei olhando a cidade a minha frente, a cidade onde eu nasci e cresci, a cidade que por muito tempo fora meu lar, agora me parecia estranha. Nadei vagarosamente pelas vazias passagens de areia e logo avistei o castelo, em sua exuberância e riqueza, onde meu pai deveria estar em seu trono ao lado de minha mãe, o castelo que supostamente deveria ser meu lar também, mas que pra mim era um lugar onde eu me sentia desconfortável.

Parei na entrada do castelo, e vi que não havia nenhum guarda por perto, ele estava completamente desprotegido, provavelmente porque toda a guarda real estava buscando incessantemente pela princesa fugitiva. Mas as buscas acabariam em breve, no momento em que eu me entregasse ao meu pai, e ao destino que ele havia me reservado.

★★★

Entrei no castelo e senti meu coração pulsar mais rápido, nadei vagarosamente enquanto os poucos criados que ali estavam me olhavam perplexos, parecia que anos haviam se passado, mas tudo estava exatamente igual no interior do castelo, e voltei a ter aquela familiar sensação de não pertencimento.

Parei em frente a porta do salão real, onde dois guardas estavam parados a me olhar com descrença, um deles fez menção de me segurar, mas eu rapidamente o dispensei, e pedi que me deixassem sozinha com meu pai, já que eu não estava planejando fugir novamente, eles relutaram um pouco, mas saíram.

Quando finalmente entrei, meu pai que estava cabisbaixo levantou a cabeça e me lançou um olhar com um misto de fúria e alívio. Eu fiquei olhando pra ele por um tempo, esperando que ele dissesse algo, mas o silêncio dominava o ambiente. Quando me aproximei, vi que o trono de minha mãe estava vazio, provavelmente ela estava enfiada em seu quarto, triste demais para fazer qualquer coisa.

- "Xeque-Mate" - falei ao me lembrar do que Devon havia dito antes de minha partida. - Olá, meu pai. - cumprimentei-o fazendo uma reverência.

- Onde você esteve? - ele perguntou com uma voz rígida e grossa, nesse momento eu tremi. Eu estava em dúvida se contava a verdade ou se mentiria. Se eu dissesse a verdade, meu pai poderia até me condenar a pena de morte por transgredir a lei mais absoluta de nosso reino. Mas, se eu mentisse, estaria sendo covarde e medrosa. Olhei bem fundo nos olhos de meu pai antes de dizer qualquer coisa e vi que no fundo, ele sentia-se aliviado por eu estar viva.

- Eu... - fiz novamente uma pausa, senti vontade de chorar, pois eu sabia o quanto isso causaria desgosto ao meu pai. - Eu... Estive na terra, meu pai. - seu rosto se contorceu em uma expressão de fúria, mas me mantive firme. - Na terra dos humanos. - concluí, sentindo um enorme alívio por ter dito a verdade.

- Você... Serena você não pode... - seus olhos estavam vermelhos, como se ele estivesse se segurando para não chorar. - Como você teve a coragem de transgredir a nossa maior lei e ainda voltar pra casa? - ele disse gritando alto e se aproximando de mim - Você sabe qual é a pena para esta transgressão, não sabe? - ele estava tão próximo que eu podia sentir as bolhas de sua respiração fazendo leves movimentos na água, seu rosto estava ainda mais enfurecido, mas eu não sentia medo, muito pelo contrário, eu estava preparada para enfrentar qualquer coisa, até mesmo a morte.

- Eu sei, e estarei disposta a pagar o preço. - falei com a voz firme e meu pai recuou cabisbaixo.

- Você acha mesmo, que eu seria capaz de tirar a vida de minha própria filha, Serena? - ele disse e isso me pegou de surpresa, eu não imaginava que meu pai estava pensando em me poupar.

- O senhor sempre disse que a família real não pode ter tratamento especial, que devemos ser tratados da mesma forma que os plebeus, que a lei é igual para todos. - falei convicta de que meu pai jamais passaria por cima de tudo o que ele acreditava e pregava. Eu estava certa de que ele apenas havia esquecido, até porque eu mesma não queria tratamento diferenciado.

- Você não entende, menina! - ele gritou e eu recuei um pouco. - Não é como condenar um tritão desconhecido à morte, isso não me causa nada, nem um tipo de sentimento. - ele fez uma pausa e ficou me encarando. - Mas você... Eu criei você, eu cuidei de você e te ensinei tudo que eu sei... Você carrega o mesmo sangue que corre nas minhas veias, e por mais que os meus ideais digam que isso não é certo, ainda assim não posso tirar sua vida. - ele disse já com a voz baixa e voltando ao seu trono.

- Se o senhor não vai me condenar a pena de morte, fará o que então? - perguntei sentindo-me confusa.

- Ninguém pode saber onde você esteve, nem mesmo as suas amigas, nem mesmo a sua mãe. - ele disse e levantou uma sobrancelha, como se estivesse me perguntando se eu tinha entendido, balancei a cabeça positivamente. - Mas você não ficará impune, ainda vai se casar com Kenshin e vai ficar no calabouço do castelo até o dia do casamento, preciso me certificar de que outra fuga não aconteça. - ele completou e eu apenas abaixei a cabeça, era justo, pelo menos.

No exato momento em que eu me virava para que os guardas me levassem até o calabouço, as portas do salão real se abriram e minha mãe entrou tão rápido que mais parecia um peixe espada. Ela me abraçou fortemente e eu me senti tão preenchida de amor que nada mais importava, como eu tinha sentido falta desse amor e desse abraço quentinho de minha mãe.

- Querida, eu fiquei tão preocupada. - ela disse com a voz chorosa e ainda me abraçando. - Eu... Senti tanto medo.... Ah, minha filha! - ela disse e se afastou de mim, me lançando um olhar de cuidado e amor. - Venha, vamos para o seu quarto, você deve estar cansada. - ela disse e segurou em minha mão, mas eu fiquei imóvel.

- Eu não posso mamãe. - limitei-me a responder.

- Como assim não pode? - ela perguntou confusa.

- Ela vai para o calabouço, Chantal. - meu pai disse. - Vai ficar lá até o dia do casamento.

- Não, não vai não! - ela disse com um tom de indignação na voz. - Como você pode ser capaz de fazer isso com a nossa própria filha, e pela segunda vez? - ela praticamente gritou.

- Eu só estou fazendo o que é melhor, Chantal. Não se meta no que você não entende! - meu pai retrucou furioso e fez um sinal para que os guardas me levassem, permaneci inerte, com minha mãe ainda segurando minha mão.

- Não se meta você no que você não entende! - ela respondeu. - Se nossa filhar for para o calabouço, então eu também irei! - ela disse por fim e apertou com mais força minha mão, meu pai levantou uma sobrancelha, incrédulo com o que minha mãe havia dito, os guardas estavam parados e confusos sem saber o que deveriam fazer.

Serena - Livro II Where stories live. Discover now