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— Pô, Javier, não faz isso, cara. — Dam pediu com os olhos marejados. — Tenho fé que aquele cara vai voltar, nós temos que ensaiar, irmão.

— Cara, o meu pai está me enchendo o saco, ameaçou vender os instrumentos.

Dam coçou a cabeça preocupado. Tinha um imenso nó na garganta, o gosto da frustração era amargo e denso.

— Nós entendemos, Javier, mas precisamos parar de tocar agora. Não podemos pelo menos esperar a nossa viagem? Assim fazemos uma despedida de verdade. O que acha de tocarmos naquele quiosque da pracinha?

— Com qual grana, Malu? Meu pai disse que só posso gastar com a banda quando a banda der dinheiro. Não dá. — Passou as mãos nos cabelos e se sentou. — Os shows que a gente faz só dá pra pagar aluguel de som e comer.

Dam chorava disfarçadamente. Não queria enterrar seu sonho daquela forma, tão cedo assim. No dia da reunião com Amarildo levou a maior surra de sua vida por ter desobedecido a mãe, que recebeu o apoio de Juvenal. Pensou em fugir de casa, mas para onde iria? Até onde iria?

Malu pediu ajuda ao dono do quiosque da pracinha e assim pagou o aluguel do som e garantiu comida para o grupo, mas o show aconteceria em duas semanas e não nas férias, como planejava.

Amarildo voltou à cidade exatamente três dias antes da apresentação de despedida da Téssera e procurou Javier, que o dispensou, pois o pai já havia dado um ultimato a ele.

— Eu falo com o seu pai, Javier. — insistiu. — Fique tranquilo. Só preciso que traga o pessoal aqui. Vou levar vocês para o Rio.

Dam não foi encontrado em casa por estar trabalhando com o pai em uma pequena obra. Javier deixou o recado com Marlene, que não falou nada com o filho.

Juvenal chegou com o menino explicando como deixar o cimento no ponto de cada tipo de serviço.

— Se quiser concreto já é diferente.

Dam assentiu com a cabeça e foi à geladeira pegar água para tomar. Exausto, foi dormir logo depois do jantar, enquanto seus amigos o esperavam para conversar com Amarildo.

No dia seguinte repetiu a mesma ação e foi trabalhar com o pai, que o pegou chorando por machucar a mão enquanto preparava o cimento que ele queria.

— É um frouxo mesmo. Para de chorar, não é homem, não? Vai buscar água. Lava isso aí e vem que precisamos terminar isso ainda hoje. — Foi rude.

Dam decidiu que trabalharia e guardaria o dinheiro que recebesse para ir embora daquele fim de mundo.

No fim de semana, procurou Javier e soube pelo pai do jovem que ele havia ido para a capital com Amarildo.

O mundo desabou de vez para Dam, que se sentiu traído.

— Só queria me tirar da porra da banda! — gritou cheio de raiva enquanto se dirigia para casa, onde não entrou imediatamente, pois se chegasse em casa chorando teria que se explicar.

Ficou na rua até se acalmar. Xingou os amigos e prometeu se vingar de Javier, que o enganou.

Ao entrar em casa viu o irmão mais velho, que morava na capital, onde fazia faculdade. Luciano estava de férias. Abraçou-o com força.

— E aí, mano. Isso que tu faz dá dinheiro? Como que é?

— É na área da saúde, dá dinheiro pra sobreviver, né? Melhor do que não ter formação nenhuma. A mãe disse que você fugiu para tocar e agora tá na obra, o que houve? Cadê o pessoal?

— O Javier acabou com a banda. — Omitiu a verdade. — E... tu sabe, né? — Apontou os pais com os olhos.

— É, eu sei. Mas relaxa, cara. Lá onde tô é de boa. Se você quiser, quando terminar o ensino médio, podemos morar juntos e você estuda lá. Obra é foda, brother.

— Eu sei... — mostrou a mão machucada e o irmão pegou gaze para limpar e cobrir com um curativo. — Isso pode dar dinheiro, mas eu não sei se conseguiria.

— Tudo precisa de vocação, Dam. — avisou enquanto colocava um curativo na mão do irmão. — Se precisar de ponto tem que ir ao hospital.

Dam passou uma semana naquela rotina, acordava cedo e acompanhava o pai ao trabalho na obra. Quando terminou tudo, o garoto esperou o dinheiro pelo trabalho e recebeu a negativa do pai, avisando que era a ajuda que ele precisava dar nas despesas da casa.

Enfurecido de ódio, o garoto quebrou a mão ao socar com força a parede. Foi levado ao hospital pelo irmão mais velho.

— Dam, para com isso, cara.

— Você fala isso porque não foi você que se matou naquela merda para não receber um centavo pelo trabalho.

— Você acha que ele nunca fez isso comigo? Eu nunca recebi nada dele, Dam. Sempre trabalhei com ele, desde os treze anos de idade.

— Porra, cara! O pai acha que a gente vive de vento. — disse revoltado e foi apoiado pelo irmão.

— Eu sei que você tá abalado pelo fim da banda, mas tenta desfocar disso.

— Eu fui traído, mano! — Quase gritou em lágrimas para o irmão, que, sem entender, esperou que ele concluísse. — Aquele filho da puta do Javier só queria que eu saísse da banda pra ir pro Rio de Janeiro com o outro filho da puta do empresário. Eu sou um fodido mesmo.

— Ei... — pegou o rosto do irmão com as duas mãos e o fez olhá-lo. — Para com isso. Você não é fodido, porra. É o único da família que tem talento para encher o maracanã, moleque.

— Eu não encho nem nosso quarto, mano. Para com isso. Não quero trabalhar na obra...

— E não vai. O pai faz isso pra gente se esforçar e querer ficar longe daquilo lá.

Dam engoliu saliva.

— Eu quero ser cantor. Viver do meu som. Não quero mais chegar em casa depois das nove e ir dormir com fome, porra.

Luciano tinha os olhos marejados quando socou o ombro do irmão.

— Então corre atrás, mano. E quando terminar o ensino médio, eu te espero lá no Rio. Eu trabalho numa padaria, Dam. Mas em menos de um ano eu vou trabalhar num hospital, cara. Vou ajudar a salvar vidas, cuidar das pessoas. Minha vida não é fácil, mas logo vou conseguir respirar sem sentir cheiro de farinha de trigo e fermento. — avisou e passou a mão no rosto do irmão, que chorava.

Três semanas depois da ida da Téssera — incompleta — para o Rio de Janeiro, Amarildo procurou Dam. O homem ficou esperando a chegada do adolescente e o abordou antes de entrar no imóvel.

— Oi, Dam, tudo bem? — perguntou e estendeu a mão para o jovem, que ignorou o cumprimento, mas continuou o encarando, sério.

— O que você quer?

— Em vinte minutos nós precisamos voltar, Damião, então se apressa aí senão não dá tempo comer... — avisou Juvenal entrando na casa.

— Achei que você estivesse empolgado em ir para o Rio, garoto. Me deixou esperando. Você é o talento daquela banda. Eles estão recebendo preparação, enquanto esperam você.

— Como me esperam se eu nem sabia de nada? E tu sumiu por quase quatro meses.

— Dam, eu estava mostrando vocês para as gravadoras, produtores. Procurando uma boa, que valorizassem vocês. Precisamos correr contra o tempo para que sejam lançados depois do carnaval.

— Tu tá de sacanagem comigo?

— É, claro que não, Dam. Por que eu faria isso? Por que eu viria até a sua casa para te sacanear? Você é a alma daquela banda. E aí? E então vamos?

— Eu preciso trabalhar com o meu pai, e não sei se ele deixa. Quando preciso ir com você.

— Agora, Dam, já perdemos muito tempo.

Dam sentiu o coração acelerar. Beliscou o braço e olhou em volta. Sentia os olhos embaçados de lágrimas. O coração errava as batidas de tão acelerado que estava. Respirava pesadamente.

Acordes de Um SonhoOnde histórias criam vida. Descubra agora