Aquele avião era sem dúvida a pior coisa que lhe podia ter acontecido até então. Estava a poucas horas de voltar a Portugal, de voltar à sua realidade e de perder tudo o que tinha acontecido nos últimos dias. Enquanto se preparava para voltar ao seu país e, enquanto o avião ia descolando, afastando-se do sítio em que tinha sido tão feliz nestes últimos dias, Emma ia reparando na sombra do avião que parecia ir contra as casas e que ficava cada vez mais pequena. E se, nas milhentas vezes que tinha viajado aquela sombra lhe parecera insignificante, agora via-a a servir de eufemismo aos seus sentimentos - como se quisesse representar a forma como a atiravam de um lado para o outro e, consequentemente, a sua felicidade. Enquanto se lamentava a ela mesma da sua infelicidade, a viagem decorria e, para piorar, o céu azul que se encontrava ao nível do avião, dava ao mundo uma sensação de felicidade, como se tivesse contente com a sua tristeza.
Só uns momentos depois, quando tinha parado dois segundos para raciocinar melhor, apercebeu-se que não valia a pena meter a culpa no tempo lá fora, no avião ou na viagem. A culpa sim, pensava Ema, de coração magoado, era daquele bilhete maldito que lhe tinha mandado, daquele comboio,e do pai que lhe tinha marcado aquele lugar. E depois de decidir que esses eram os únicos culpados ponderou repensar acom mais calma,concluindo assim que Camões teria toda razão " tu, só tu, puro amor com força crua... Foste causa da modesta morte sua", citando a passagem mais conhecida no verso de Inês de Castro, na epopeia dos Lusiadas, percebeu que realmente só a ele o poderia culpar de tudo aquilo.
Mas agora não havia nada a fazer, sabia desde o princípio que não se podia ter apaixonado e mesmo assim deixou-se levar por aquele sentimento inegável. Levo-se pelo bilhete, pelo Lucas, pelo momento,pelo coração. Sabia que a probabilidade de voltar a vê-lo era pouco provável e sentia-se mal por ter acontecido assim, no último dia, um amor impossível.
Recordava agora o momento em que começaram a falar. Tinha lhe dito que nunca se iria apaixonar por ele (podemos ver agora que não era assim tão verdade), tinha dito que nem ele a poderia amar pois nunca daria certo, (mas sem referir que aquele era o seu último dia em Italia), tinha lhe escondido até à ultima da hora que estava de volta a casa e era agora a coisa que mais se arrependia naquele momento, embora na altura não achasse de todo que Lucas tivesse muito a ver com isso.
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o rapaz do comboio
RomanceDOIS adolescentes de países diferentes UMA viagem com um destino igual e UM romance por acontecer