— Por último, aqui fica a nossa montanha de comida — contava alegremente o sábio Júlio, que conhecia como ninguém aquele formigueiro tão aconchegante. — Cada formiga é responsável por trazer um pouquinho do que consegue, e olha que lindo resultado, pequeno Danilo. Essas gigantes pedras brancas e macias são chamadas pelos humanos de... arroz. Não se preocupe, com o tempo você se acostuma com esse nome estranho. Enfim, formiguinha, você gostou do passeio? — Júlio encerrou com uma pergunta, deixando o pequeno Danilo com muito trigo na cabeça. Intrigado.
— Arroz? Que coisa estranha, tio Júlio. O que são humanos? — perguntou curioso, ainda sem entender o que aquelas palavras tão complicadas significavam.
— Humanos são... — Júlio procurou em suas antenas uma explicação simples para a formiguinha. — São como nós, Danilo, mas... muito maiores. Muuuuito maiores.
Danilo não conseguia compreender o tamanho do significado da palavra "maiores", que se referia aos humanos — os quais a pequena formiga nunca tinha visto —, mas tentava com toda a sua vontade estimatizar.
— São tipo animais enooormes? Podemos trazê-los para cá, tio Júlio? Eu queria conhecê-los! — com sua melhor voz fofa, Danilo tentou persuadir a formiga adulta.
— Ora, Danilo... — Júlio riu, tal qual alguém que os humanos chamariam de Papai Noel, com a inocente pergunta de seu sobrinho. — São grandes demais para caber aqui... e eles têm seus próprios formigueiros.
— Sério? — espantou-se Danilo. — Eles fazem montanhas de comida como a gente?
Júlio pensou um pouco antes de responder, tentando falar na língua das crianças.
— Fazem, sim. São montanhas gigantes, que podem durar vários invernos. E às vezes somos mais inteligentes que a maioria deles. Mas, me diga, Danilo, seu pai ou sua mãe já te falou sobre alguém que é maior do que todo mundo junto?
Danilo fez uma careta confusa antes de responder com a cabeça gigante, a balançando com muita curiosidade para os lados. Júlio estufou o tórax e sentiu prazer em revelar aquilo ao sobrinho.
— Ele se chama Deus, e foi Ele quem nos mandou ajudar no equilíbrio da Terra — sabiamente contou Júlio, com um sorriso de antena a antena. — Sabia que as formigas estão entre os menores animais do mundo? Mas, mesmo assim, nós temos um essencial trabalho e não podemos descansar nunca. Somos mais fortes do que diversos humanos e damos lição de moral a eles! Você sabe o que é preguiça?
— Não sei não, tio. O senhor só diz nomes difíceis! O que é? — com a língua presa, perguntou Danilo, cada vez mais interessado e entusiasmado. O que é Deus?, também foi um pensamento que pipocou dentro de sua cabecinha.
— É uma coisa que os humanos têm em excesso. Principalmente os que parecem gigantes bolas — Júlio explicou em poucas e diretas palavras. — Preguiça é uma coisa ruim, que nenhuma formiga em toda a história teve. Deus nos deu esse privilégio, porque, quem tem preguiça, não consegue realizar seus maiores sonhos. Você quer realizar seus sonhos, Danilo?
— Claro, tio! Meu sonho é não ter preguiça, tenho que ajudar o nosso formigueiro a não passar fome! Então os humanos não realizam seus sonhos? — Danilo fez uma pequena equação em seu pequeno cérebro e, como resultado, cuspiu essa pergunta boca afora.
— Alguns, não. A preguiça leva os humanos a não fazer nada, a não agir. E é exatamente o oposto que nós, formigas, fazemos. Por isso nunca passamos fome, cada um colabora com a sua parte e o formigueiro nunca fica sem arroz!
— E o que é Deus, tio? Essas palavras difíceis estão enlouquecendo minhas antenas! — protestou Danilo, arrancando mais risadas de seu tio Júlio.
— Deus é quem criou todos nós. Ele também não é um humano, então não tem preguiça. Ele é o motivo de você ter nascido, e todos os animais glorificam somente a Ele, porque sabem que Deus é o único ser que merece a nossa eterna devoção.
Devoção?, pensou Danilo. Uau, isso quer dizer que esse Deus é incrível! Ele nos criou!
— Quer dizer — continuou Júlio, ao pigarrear para consertar sua última frase —, os humanos não sabem tanto assim. Por isso eles são a única espécie chamada de "racional". Porque pensam que Deus pode ficar em segundo plano. Pensam demais e servem de menos. Não queira ser um humano, Danilo, as formigas muitas vezes são mais sortudas por não pensarem tanto assim.
— Eca! — tremeu Danilo. — Os humanos não servem a Deus? Por quê? Ele não nos criou? Pensei que merecesse toooda a nossa gratidão e adoração apenas por isso...
— Exatamente, pequeno — Júlio piscou um de seus olhos escuros. — Alguns humanos não enxergam esse simples fato... Mas olha só, até você já entendeu isso. Os humanos às vezes demoram milhões de horas para aceitar que Deus é o maior dos maiores.
— Milhões de horas?! — sobressaltou-se Danilo pela segunda vez, quase ficando sobre apenas quatro patas. — Eu acabei de nascer e já aceitei, tio. Acho que não passou nem cinco minutos. Isso quer dizer que eu sou mais inteligente que um humano? — encheu-se de esperança o pequeno Danilo, com um sorriso grande.
Júlio achou graça da pergunta, fazendo cócegas em seu sobrinho com suas experientes antenas.
— Considerando que a mente de um humano deve ser bilhões de vezes maior do que a sua... sim.
— Que incrível!! E eu aprendi o significado da palavra arroz! E Deus! E preguiça! Eu quero muito comer arroz, servir a Deus e chutar a preguiça!!
Danilo saiu dali a todo o vapor e saltitando sobre suas seis curtas pernas, se sentindo muitíssimo alegre e satisfeito por poder viver para a honra e glória de Deus e por nunca querer experimentar sentir preguiça, que, para ele — para aquela formiguinha recém-nascida —, era uma coisa muito ruim. Preguiça era algo que Danilo jamais gostaria de conhecer, porque ele queria muito realizar seus sonhos e Deus já era o seu melhor amigo. Danilo nunca desapontaria seu melhor amigo.
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Formiguinhas
Short Story[Conto finalista do Prêmio Literário da Academia Juvenil Acreana de Letras na categoria de Contos, com direito a medalha e certificado. Fui a única finalista garota e também a única menor de idade. Girl power, meninas!] Dividido em quatro capítulos...