— Danilo, se acalme, você precisa economizar energia se quiser mesmo ajudar a recolher comida amanhã — recomendou o zeloso pai da pequena formiguinha, que não entendia o motivo de tamanha agitação e alegria para alguém que acabou de nascer. — O que houve, pequeno?
— Pai, agora eu sei o que é arroz! Também sei quem é Deus! E preguiça! — com muito ânimo a formiguinha relatou a seu pai, que esboçou um sorriso sincero ao ouvir isso do seu filhote.
— É mesmo? — ele se interessou. — Venha cá, me conte essa história direito.
O pequeno Danilo sossegou um pouco e sentou ao lado do pai, mas o fato de agora estar parado não afetou em nada a sua extrema felicidade.
— Arroz é de comer, Deus é alguém muito legal e a preguiça é uma coisa muito ruim — a formiguinha terminou a frase com uma careta muito fofa e cruzando as antenas.
— Quem disse pra você quem é Deus? — quis saber seu pai, Juliano.
Danilo coçou a cabeça e começou a contar sobre o seu melhor primeiro dia de todos.
— O tio Júlio. Deus criou a gente e os humanos são racionais porque pensam demais, isso é ruim — explicou simplesmente o pequeno, deixando seu pai surpreso.
— Ruim? — estranhou ele. — Ruim por quê?
— Porque aí eles não aceitam que Deus criou tudo e todos... — Danilo ficou tristinho de repente. — Isso não é bom... Todo mundo devia servir a Deus, porque Ele fez tudo! Não adorar a Ele não faz sentido...
Seu pai sorriu de novo, calmamente, compreendendo o ponto de vista de seu pequeno filhote.
— É verdade, Danilo... Você é muito inteligente. É como você falou: os humanos pensam demais e às vezes se esquecem de que sem Deus eles não são nada... Mas é a escolha deles. E são só alguns humanos — Juliano tentou animar o clima. — Os outros servem a Deus, assim como nós, formigas. É que eles podem escolher servir ou não. Deus não interfere nisso.
— Eles podem escolher?! — espantou-se Danilo. — Então por que todo mundo não escolhe servir a Deus logo? Assim fica até mais fácil! É só escolher ser amigo de Deus que tá tranquilo!
— Exatamente, Danilo... Mas nem todos escolhem isso — comentou seu pai com pesar. — Alguns optam por ignorar o Criador de tudo e vivem suas vidas sem Ele.
— Mas tem como viver sem Deus?! — Danilo admirou-se. — Por que alguém escolheria viver sem Ele? Esses humanos são muito desinteligentes...
Seu pai riu por sua frase simplesmente verdadeira e levantou-se para preparar o jantar. Danilo o seguiu pela toca enorme, olhando tudo e ainda intrigado com esses tais humanos complicados.
— Pai, ser racional significa ser desinteligente? — perguntou Danilo, aliviado por colocar sua curiosidade pra fora.
— Para alguns humanos, sim — disse Juliano, manobrando um enorme grão de arroz para fatiá-lo em três grandes pedaços. — Mas outros usam essa racionalidade para falar de Deus. Existem humanos que usam o pensamento para pensarem em outras coisas, e não em Deus; mas outros usam o pensamento para pensar em formas de espalhar Deus.
— Espalhar Deus? Como se espalha Deus?
— Ora, Danilo, é muito simples. — Sorriu cuidadosamente o seu pai, alternando suas seis habilidosas patas para dentro e para fora da cozinha. — Seu tio Júlio falou de Deus pra você, não foi?
— Sim! E eu gostei demais.
— Isso é espalhar Deus — Juliano respondeu. — Falar bem dEle, fazer os outros animais gostarem dEle, assim como seu tio fez com você. Mas os animais não pensam mal de Deus, todos sabem que Ele é bom. Todas as formigas deste formigueiro sabem que Ele nos criou, que não existe outro deus além dEle, porque os pais contam para seus filhos e ninguém contesta isso, todos simplesmente acreditam. Os únicos que precisam espalhar Deus são os humanos.
— Só eles? — foi a próxima pergunta de Danilo. — Mas o tio Júlio espalhou Deus pra mim...
— É porque você nasceu hoje, pequeno — seu pai deu leves patadas em sua cabeça. — Ainda não tinha ouvido falar do Senhor. Mas, quando o seu tio Júlio falou de Deus pra você... duvidou de alguma coisa?
— Não, pai, claro que não — garantiu Danilo, balançando as patas com vontade para provar que sua fala era verdade. — Se o tio Júlio contou, é porque não é mentira... E eu tenho certeza de que Deus existe, senão eu não estaria aqui!
— Isso mesmo, formiguinha. Muitos humanos ouvem a respeito de Deus, mas duvidam dEle. E então os humanos que acreditam em Deus precisam repetir várias vezes. Seu tio precisou repetir pra você? — perguntou seu pai, mesmo sabendo qual seria a resposta.
— Não, eu acreditei em tudinho logo na primeira vez — afirmou Danilo, com o peito estufado.
— Muitos humanos não acreditam em tudinho na primeira vez. Por isso Deus precisa ser espalhado sempre, e existem pessoas que passam a vida toda só repetindo várias vezes as coisas de Deus para as outras.
— A vida toda? Uau... Esses são humanos legais! — alegrou-se Danilo. — Mas por que eles precisam repetir a vida toda? Se eles falarem uma vez, os outros humanos não acreditam?
Seu pai sentou-se novamente, convidando seu filhote para juntar-se à mesa e esperar sua mãe para começarem a comer.
— Alguns humanos não. Nós chamamos esses humanos de teimosos. Sabe o que é ser teimoso?
Como resposta, Danilo balançou a cabeça para os lados e se apoiou no tampão da mesa para escutar melhor.
— Ser teimoso é escutar uma coisa várias vezes e fingir que não escutou — esclareceu descomplicadamente seu pai. — Alguns humanos são ótimos em fazer isso. Os humanos bonzinhos dizem que Deus existe e os teimosos fingem não escutar.
— Sério? Eu não fingi que não escutei... Isso é feio! — constatou Danilo, cruzando quatro patas.
— Sim... É muito feio.
E, exatamente nesse momento, pai e filho ouviram a portinha se abrir e puderam ver que a mãe de Danilo se juntara a eles para a refeição. Obrigado por não sermos racionais, Deus, gratulou silenciosamente Danilo. Eu não quero ser desinteligente.
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Formiguinhas
Short Story[Conto finalista do Prêmio Literário da Academia Juvenil Acreana de Letras na categoria de Contos, com direito a medalha e certificado. Fui a única finalista garota e também a única menor de idade. Girl power, meninas!] Dividido em quatro capítulos...