Noite estrelada

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É noite de véspera de natal, data em que todos festejam e se reúnem com suas famílias, com excessão de Pedro. Um garoto de rua que a dois anos vive completamente sozinho e abandonado, caminhando por entre as ruas de Campinas, até o momento em que encontra um estranho homem vestido de preto e isso muda sua vida completamente.

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Dizem que no Brasil o natal sempre parece ao contrário.

Quer dizer: não tem neve, não tem pinheiros iluminados e casas com quintais decorados com todo tipo de mimo natalino dos Estados unidos. Na maioria das vezes, na cidade de Campinas, só haviam algumas casas com luzes e arvores artificiais. Sem forragem fria e branca. Sempre com um clima quente ou morno, com todos para fora suando em festa a noite enquanto de dia algum caminhão passava com um "Papai Noel" quase morrendo na própria fantasia enquanto joga presentes e doces para as crianças estéticas nos bairros mais pobres.

Não é uma forma ruim de comemorar o nascimento de jesus, nenhuma é, o importante da data é estar feliz. Em família. Se sentindo amado e protegido dentro de sua casa, esperando a mamãe liberar o ataque a ceia e os fogos iluminarem os céus com a magia natalina.

No Brasil o natal é quente, é vivo, mais do que em qualquer outro lugar do mundo. Pelo menos para a maioria, os sortudos, o que não era o caso do pequeno Pedro.
Não, para ele era só mais um dia, que parecia mais errado que o anterior. Quem sabe um pouco pior.

Naquele ano o natal campinense estava diferente, durante a tarde de véspera o Sol que castigou a semana inteira a cidade finalmente deu uma trégua e uma chuva dominou até o meio da noite. Nesse dia Pedro, que se repreendeu por ter comido quase todos os doces que apreendeu, estava sozinho. O frio não demorou a chegar durante e após aquela tempestade no centro de Campinas. Uma das cidades mais cheias em época de festa em todo o estado de São Paulo. A metrópole se mantém controlada, com todos aguardando o pé d’agua passar para voltar a festejar nas ruas, com exceção de onde ele estava.

Ali só havia solidão, frio e uma chuva que demorava a passar.

E o menino apenas esperou, tremendo em baixo de uma proteção com goteiras de uma loja no centro, enquanto devorava aquelas guloseimas que sabia que deveria guardar para dias. Talvez nem devesse se sentir culpado por isso, como poderia? Era só um garoto de rua que não comia a tempos. Apenas um pobre coitado que não tinha família para fazer festa, nem podia mais sonhar com a espera de uma ceia, só pensava em conseguir algo para sobreviver.
Completamente sozinho.

Pedro Aguiar tinha apenas 12 anos de idade, era um jovem franzino de cabelos longos distribuídos em cachos indefinidos e sujos que não tinha ninguém. Aquele era seu segundo natal em que esteve dessa forma, e talvez o mesmo gostaria de dizer que se acostumou, mas seria mentira. Na verdade, diferente da maioria das crianças da sua idade, ele só aprendeu que o mundo não funcionava da forma como queria. Que a maioria das pessoas, que na rua nem queria olhar para sua cara imunda ou roupas rasgadas, não se importavam realmente se alguém conseguiria se acostumar a ser ninguém.

As vezes até sentia que se um cachorro fosse atropelado e o mesmo ocorresse com ele, bom, as pessoas iriam lamentar pelo cãozinho. E tudo bem, para o menino seria o certo, já que um cãozinho sim merecia um lar. Já ele, pessoalmente, todo dia dizia a si mesmo que aquilo era seu castigo por ser todo errado. Tinha que conviver com o fato de que seu lugar era na sarjeta, já que não conseguia mudar toda a sujeira que havia em si.

Naquela noite fria de véspera de natal, onde ele via os grupos de moradores de rua dominarem os espaços vazios cobertos, Pedro logo percebeu também que mais uma vez não encontraria compaixão naqueles que também estavam na sua situação. Pois logo um homem manco, enrolado num cobertor verde-oliva, chegou correndo para expulsa-lo do seu abrigo da chuva. Apesar de que a mesma logo iria parar. O indigente não foi gentil, já o agarrando pelo braço ao ver o saco colorido em sua mão, ficando absurdamente violento ao ver que não tinha mais nada dos doces do "papai Noel". Como se fosse algum crime odioso que jamais poderia ser perdoado.

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