Parágrafo.

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– Você está acordado? – Eskild abriu a porta, hesitante, e colocou a cabeça para dentro do quarto de Noora, onde Isak havia passado à noite, enquanto a garota fez cama no sofá.

Isak apenas acenou em positivo.

– Como está se sentindo? – Eskild colocou uma caneca branca que ele havia trazido com ele em cima do criado-mudo.

– Estou igual – deu de ombros. – Mas chorar ajudou... muito!

– Bebe isso, está morninho, do jeito que você gosta – Eskild apontou para a caneca e viu Isak encará-la sem muita vontade. – É chocolate! E eu sei que eu já disse isso para você uma vez, Isak, mas corações partidos sempre doem. Você vai querer chorar, gritar, sumir e, mesmo assim, vai estar vivo, então, você precisa reagir. Pode achar que não vai passar, mas vai. E aí você vai superar!

– Não – Isak murmurou. – Eu não sei como meu corpo vai se adaptar a isso, Eskild. Eu nem consigo sentir que estou funcionando aqui. E pode parecer que isso é um esforço meu para que nada fique tranquilo, mas não é! Eu queria muito ter um jeito de consertar isso. Mas eu não sei como!

Isak nem achava que tinha mais lágrimas para derramar, depois de ter passado tanto tempo chorando, lutando para manter os próprios pulmões trabalhando. Embora isso aumentasse a própria dor. A cabeça já começava a reclamar pelo esforço antes feito.

– Que droga de desentendimento foi esse que vocês tiveram para você estar arrasado desse jeito, Isak? – Eskild estava incerto, mas perguntou mesmo assim. – Porque eu duvido que não exista mais nenhum sentimento entre vocês dois.

– Eu acho que os sentimentos eram só meus...

– Você pode ficar com raiva, Isak – Eskild suspirou. – Mas você não sente o que o Even sente!

– Eu sei, Eskild – Isak sacudiu a cabeça e olhou fixamente para Eskild, os olhos vermelhos e a voz embargada; ele nem se importava mais em estar chorando na frente de Eskild, não quando havia passado vinte minutos da noite anterior agarrado a ele em profundo desespero. – Porra, eu sei!

– Eu não vou perguntar – tocou-o o ombro, se levantando e caminhando até a porta. – Mas me deixe saber, quando você estiver preparado para me dizer. E não espere o chocolate ficar gelado, por favor!

– O Even me largou porque o Mikael disse que está apaixonado por ele... – desabafou.

Aquilo não fez novas lágrimas caírem, nem aumentou a necessidade de gritar, Isak parecia mais conformado com isso do que com o fato de não ter mais Even, como se a simples ausência o travasse; ele se sentia vazio e estagnado e não parecia que havia no mundo algo que fosse capaz de fazê-lo reverter isso. E, céus, como ele queria! Ele queria tanto achar dentro de si mesmo qualquer resquício de força que fosse suficiente para ele se agarrar e ter certeza de que conseguiria se mover sem ser sugado para dentro daquele buraco negro.

– Droga, Isak – Eskild amaldiçoou. – O amigo do irmão da Sana?

Isak confirmou com a cabeça.

– Eskild, eu não vou...

– Você vai ficar bem! – tomou a palavra, antes que aquela frase fosse concluída com o que parecia ser uma promessa, e Isak queria muito acreditar.

Ele estava querendo acreditar em muitas coisas, ultimamente. Especialmente se essas coisas fossem capazes de remover o vazio e a angústia que estava carregando dentro dele.

Mas ele sabia que nada seria tão fácil.

..

Eskild era uma pessoa extrovertida a ponto de fazer os outros pensarem que nada no mundo era capaz de machucá-lo. Isak era um dos que julgavam Eskild dono de uma felicidade inabalável. Não por achar que Eskild era muito diferente da maioria das pessoas, ele só tinha particularidades como todo mundo. E o fato de todos terem suas particularidades fazia deles semelhantes nesse aspecto. Na verdade, de uns tempos para cá, Isak não tem enxergado os seres humanos com muitas diferenças entre si. Demorou tanto tempo para se aceitar, que quando finalmente se aceitou, percebeu que, embora possuísse suas diferenças, elas não se sobressaíam ao que fazia dele uma pessoa igual a todas as outras.

Um Capítulo de Nós DoisOnde histórias criam vida. Descubra agora