Rubem sobressaltou-se no colo de Dina, ao ouvir o baque alto da porta contra a parede, e arregalou os olhos. Só podia significar uma coisa: seu pai havia chegado.— Não é nada, meu amor. —murmurou Dina, beijando a testa do filho. — Shhh, volta a dormir.
Como se nada tivesse acontecido, o menino voltou a dormir como um anjinho, tendo a cabeça apoiada sobre o coração da mãe.
— DINA! — o grito do marido penetrou os ouvidos dela, fazendo todos os pêlos do seu corpo se erriçarem.
Rezava mentalmente para que ele não tivesse bebido novamente, o que seria, no mínimo, impossível. Com cuidado, pousou o corpo pequeno e magro do filho sobre o colchão, e fitou a menina que descansava, tranquila, do outro lado.
Fruto de um ato de inconsequência aos dezasseis anos, Elaine era sua filha mais velha, mas não era de Valdo, seu atual companheiro. Com onze anos, a menina demonstrava ser muito inteligente, forte e, principalmente, amava e preocupava-se imenso com o bem-estar da família.
Já Rubem, tinha apenas quatro anos e carregava uma parte de Valdo consigo.
Mais um grito alto de Valdo despertou Dina, que fitava os filhos, à medida que milhares de pensamentos nublavam-lhe a mente. Desejava imensamente que as coisas fossem diferentes.
— Estou aqui, Valdo. — engoliu a saliva com certa dificuldade, ao deparar-se com o olhar raivoso e impaciente do companheiro, provavelmente irritado pela demora.
Como sempre, um forte cheiro de álcool e fumo exalava d'ele.
Dina, no entanto, amava-o demais para reclamar do que quer que fosse. Embora reprovasse certas atitudes e palavras dele para com ela, não sentia-se no direito de julgá-lo, pois Valdo dera um teto e uma família a ela e à filha, e lhe seria grata pelo resto dos seus dias.
— Aqueci o jantar há uns minutos mas, se quiseres, posso fazê-lo novamente. — disse calmamente, analisando as reações do companheiro. Sabia que ele podia tornar-se muito violento quando bebia muito, ou seja, quase sempre.
Em silêncio, sentou-se à mesa, e, após longos segundos, fitou bem a companheira, pela primeira vez desde que chegara.
— Posso saber o que esperas para me servir? — questionou, usando o costumeiro tom agressivo. — Trabalhei por horas a fio e estou morto de fome. Rápido!
Dina apressou-se em fazer o que Valdo "pedira", e sentou à mesa em frente a ele, analisando os seus movimentos. Pensou se um dia as coisas voltariam a ser como eram no início, quando se conheceram.
Foi tirado dos seus devaneios, por uma exclamação de Valdo.
— Isto nem sequer tem sal! E está frio! — reclamou, cuspindo o que pusera na boca, para o prato. —
Caramba Dina! Será que nem isso tu sabes fazer, mulher?Valdo ergueu-se da cadeira, apertando a borda da mesa com força.
Em um segundo, Dina estava sentada à mesa e, no outro, encontrava-se no chão, com uma cadeira sobre si e um par de olhos raivosos a fitá-la.
— Quando é que vais aprender a ser uma dona de casa, Dina? —questionou ele, com a voz repleta de sarcasmo. Aproximou-se lentamente dela. — DIZ-ME! QUANDO? — o grito que Valdo emitiu veio acompanhado de um pontapé no braço da companheira.
— Pára Valdo! — pediu ela, com a voz fraca e suplicante. — Se calhar estás muito stressado. É melhor ires descansar, senão acordas as crianças.
— Parar? — riu-se e se ajoelhou ao seu lado. — Eu nem sequer comecei.
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O Preço do Silêncio
Short StoryA dor física não passava de um mero detalhe quando minha alma transbordava lágrimas e meu interior nunca antes tinha estado tão vazio e sem cor. Cheguei a pensar, um dia, que o amor que nutria por ele era uma espécie de alicerce que me impediria de...