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PARTE I: SUBVERSIVOS.

Setembro, 1997.

Congelo até os ossos quando invado os corredores do terceiro andar, levando o que posso dentre as gazes, álcool e um pouco de esperança. Sei que a luz que fulgura na ponta de minha varinha talvez seja a única que muitos deles verão na vida. Foram deixados para serem cobaias em aulas, cabelos e unhas arrancados sem permissão, frio dentro do vestido poeirento, ossos gritando de fome. Às vezes me recebem com um sorriso fraco de quem agradece a gentileza, mas sabe que não há uma maneira. Eu engulo lágrimas para dizer que realmente não importa...

Que é de boa vontade que insistimos em sobreviver.

Era algo assim que papai dizia. Morto em um hospital em Londres, não houve soldado negro que se apiedasse de um sangue puro tão condescendente. Sua morte fora pouco antes de minha vinda obrigatória a Hogwarts e a ameaça. Perdoada pela descendência, pela utilidade.

Nossos direitos? Estilhaçados.

A princípio, a hora do medo e do choro não duraram. A ampulheta esvaziava: era preciso passar a missão adiante. Missão...? E a pergunta navegou sobre lágrimas dos olhos de mamãe, como um sinal de terra.

Afinal, é meu dever.

Enquanto empunho conhecimento, não é possível virar as costas às vítimas do regime; às vítimas das ideias tortas que mantém esse disparate ativo.

Farei o possível, dentro do meu resgate.

Helena A.

Setembro, 1997.

É difícil evitar o cheiro acre nas narinas, mesmo sem sombra de sangue por perto. É minha mente; a mente de quem arregaça as mangas na enfermaria, mas permanece acordada durante as madrugadas, torturada pelo que vê.

É que sou teimosa e inexperiente; foi a sugestão de Pomfrey, que garantiu que a idade tornaria o sofrimento terreno comum. "A tendência é que fiquemos cada vez mais práticos nos serviços". Trocar bandagens, recolocar ossos, anunciar pioras, despedir-se de quem se recuperou; tudo sem sentir tanto pelo próximo... "Até parece sonho", eu disse à ela: — que sabe o quanto sou consumida pela missão, mas que não me permite reclamações, talvez por receio de que eu amoleça...

Verdade que até um ano atrás Pomfrey não necessitava de ajudantes para dar cabo de seus pacientes. Mudança essa que veio com o novo corpo docente, praticamente uma réplica dos foragidos de Azkaban. Ah, ainda me repulsa abrir o Profeta Diário e enfrentar os retratos de Potter: — o garoto que frequentava as aulas como todos nós — transformado em criminoso.

Harry Potter.

O símbolo de um tempo absurdamente recente e distante; quando os risos soavam entre essas paredes, e os feridos ainda se contavam nos dedos.

Helena A.

Setembro, 1997.

As porções dadas nas refeições não são suficientes, e as garotas são as mais atingidas pelo racionamento, ainda que entre uma desobediência e outra levem puxões e socos. A presunção é de que não suportaríamos lidar com a mesma força bruta derramada sobre os garotos. Por este motivo, nos punem com armas indiretas...

Fraqueza e fome.

Helena A.

Setembro, 1997.

SubversivosWhere stories live. Discover now