Parte 2

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Para não paralisarmos a complexa investigação, optei pela entrada da extrovertida Laggine Gomes. Notei um singelo olhar desacreditado nos rastros absurdamente irreconhecíveis, julgados depressivos somente com os passos pobres de triunfo.

Depois de nossas rápidas apresentações, questionei friamente se sabia o paradeiro andrajoso do Professor Pylphs. Respondeu com alegações notoriamente desordenadas sobre diversos pontos na universidade; não a culpei, qualquer um ficaria nervoso com a fama de "interrogatório torturante" que nós, da polícia húngara, carregávamos. Porém se a estabilidade mental não fosse aparente, a lista de suspeitos ganharia esta graciosa de cabelo borgonha.

Desodorizei aquela sala vazia e tratadora de teias, abrindo as janelas afrouxadas. As aulas de economia aconteciam no vasto ambiente. Tomamos a posição do docente, para uma abordagem precisa e direta. A mesa nos separava por uns 50cm de diferença, proximidade suficiente para notar expressões apreensivas.

Resumindo aquele domingo indesejado, o cinema foi suspenso tardiamente no final do dia anterior. Foram chamados os mais próximos de Evan, sem excluir, claro, todos seus educadores, a questão é que falhamos em informar acerca da sala; prejuízo temporal ao qual meus comparsas tentavam amenizar.

Terminado minha tentativa de melhoria ambiental, pedi para que pronunciasse vagarosamente tudo o que lembrava de Evan Doore; o começo, meio e fim. Então assumiu com articulação receiosa, como se fosse o primeiro dia de uma aprendiz.

No calmo verão do ano passado, conheci-o girando a válvula do cinematógrafo. Sua maneira de sorrir e se expressar eram fora do comum; incrivelmente comunicativo, tanto quanto verídico. Algo que nunca esquecerei será seu primeiro elogio, entre muitos emitidos pelo próprio.

Não sabia que toda a beleza do nosso elogiado e venusto jardim foi inspirada em você.

Lembro que fiquei em tons mais fortes que meu cabelo. Talvez não o tenha notado antes, por eu ser muito mais "fora do colégio" do que dentro. Outro fator contribuinte foram nossas faculdades separadas; Evan estudava economia com os mais polidos professores húngaros, enquanto eu ilustrava meu mundo com os conceitos únicos da medicina contemporânea, no curso conhecido também como "os sem folgas".

Nossos preceitos comportamentais eram distintos, entretanto nunca impediu que eu, algum dia, deixasse de me encantar por sua essência.

Nunca tive um contato amoroso com ele, embora quisesse ter tido. Enxergou minha luz, guiando-nos ao caminho que reprovava no início. Queria que ajudasse a compreender melhor algumas partes do corpo humano. Segundo o próprio, era difícil demais entender alguns termos corpóreos e ósseos, embora tivesse um averbado e caríssimo dicionário cortês, que retratava detalhadamente até mesmo as fases de uma gestante. Complementou seu fascínio, afinal somos um mistério, vivemos graças ao funcionamento conjuntivo de órgãos milimetramente separados. Desejava entender com clareza a si mesmo, o funcionamento de tudo.

A fim de concluir seu desejo, recomendei e emprestei livros de minha coleção particular. Em quase todo final de semana saía com meu espartilho grullo, convidava-o sempre, porém rejeitada todas as vezes. Chegou um ponto em que Evan sabia mais de doenças do que eu. Não consegui responder inúmeras e aglomeradas perguntas do aflorado nerd.

Embora sempre enaltecida por ele, ficamos estagnados na fase amistosa. Até minha professora predileta percebeu, embora tivesse um acídulo modo de dialogar, não deixou de acreditar em meu potencial. Bajulou minha família e disposição científica para erradicar meus pensamentos negativos, afinal não nasci de qualquer um. Minha mãe nascida no Suriname, é uma renomada médica em pécs, já tendo recebido prêmios por tratamentos difíceis de serem bem-sucedidos. Meu pai faz parte da administração de múltiplas redes hospitalares, adquirindo dinheiro suficiente para viajar ao mundo mensalmente.

Minha última tentativa foi no começo deste ano, onde meu rosto estava acima da beleza e pouco abaixo da perfeição, certamente a mais charmosa que todos no cinema escolar daquela noite, grandemente lotado e preenchido ainda mais de estouros efeituosos do atual filme. O encorpado Huckvan assumiu o posto giratório, após cumprimentar seletamente Evan, que fez bravamente o trabalho. Meu lindo saiu puramente tranquilo do recinto, abandonando o filme com uma visão angular de fadiga. Não perdi tempo, saí sorrateiramente agachada, acarretando pequenas reclamações da fila mais distante, as quais ignorei.

Antes de o espantar, notei seu estressante rastejar, e aos poucos defini qual era o típico trajeto, onde sussurrei para mim mesma que Evan definitivamente ia para seu distante quarto. Não pude evitar, bisbilhotei descaradamente por uma brecha na porta, que esqueceu pouco aberta.

Avistei algo estranho, parecia que eu estava embriagada, de acordo com aquela visiva inacreditável. Evan tirou de baixo da cama livros aos quais nunca tinha visto ou ouvido falar; as cores eram indefinidas aos meus curiosos olhos, em tempos alternarvam em natier e turquesa, outrora pareciam ser verdes intensos, como o verde florestal e o verde Kentucky. Em suas capas, onde deviam mostrar ao menos alguma língua terrestre, infelizmente não havia isto. Tinham pontos pretos alternados em tamanho, era sufocante e pessimista olhar para aquilo, pareciam clamar com urgência suas leituras. Era como se cada vez mais, eu enxergasse bocas naqueles pontos aparentemente acima do diabolismo, bruxismo e outras condutas restritas às sombras.

Não lembro de absolutamente mais nada, desmaiei logo nesse momento importante. Quando acordei, estava na cama bagunçada de Evan, não estava em minha memória o ocorrido, ali só estava nós dois. Sem protuberar, o inimigo apenas era a distância que separava nossas bocas. Ele me contou entre suspiros que eu havia desmaiado repentinamente em sua porta. Somente depois de me fazer um chá de camomila, melhorei de minha tontura pós-queda. Talvez tenha esquecido do que vi graças ao clima de nervosismo imposto por mim mesma, ou talvez tenha lhe visto nu ou seminu, agora para mim não importava. Perdidamente apaixonada me declarei, mesmo sabendo do ser molificante que sou. Recebi um confuso e ceifador NÃO. Disse palavras sem cabimento e desconstruídas:

Você não sabe como eu queria isso,
Mas não podemos, me perdoe, por favor!

Logo após isso, voltei arduamente ao meu solitário quarto, onde meu indubitável amor não era o mesmo sentido por Evan. Nunca chorei tanto como àquela noite, poderia mover montanhas com a energia da dor em meu peito. Minha pele nunca mais sentiu tamanhos arrepios, causados pelo frio sozinho da meia-noite.

- Senhorita Laggine, tenho que interromper seu relato. Não sou psicólogo para escutar detalhes além dos momentos com E.D.

- Então isso é tudo, o resto é "besteira", apenas lhe ensinando sobre medicina e nutrindo um amor nunca correspondido. - estava chateada, mas não era próximo da agonia de não ter seu amado.

- Tudo bem, só mais uma pergunta, quando recordou sobre esses livros?

- Uns quatro dias depois. Não ousei tocar no assunto, apenas deixei para lá seus próprios gostos.

Despedi-me e consolei aquela garota como deveria, estava abalada em um patamar acima dos outros amigos que vi afora. Lembrei-a em uma última vez que quaisquer detalhes sobre o adorável Doore poderia contribuir para a investigação. Passiva e cabisbaixa, insistiu que não havia mais nada interessante. fungava bastante, seu nariz parecia deveras entupido. Para finalizar seu relato, escutei:

"Se continuasse, contaria uma tentativa de romance e nada mais."

Caso Evan DooreOnde histórias criam vida. Descubra agora