[03]- Transmissão Clandestina.

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Continuei encarando o homem com cabelos um pouco longos, caindo sobre seus olhos e parte de seu rosto sujo de sangue. Seu olhar parecia impaciente, enquanto eu me levantava, trêmulo e com ânsia de vômito. Encarei o trinco da porta arrebentado no chão.

Aquilo tudo é muita informação para minha cabeça.

— C-como...? — mal consegui proferir as palavras, ainda em choque.

— Escutei seus berros. — falou, olhando para trás de si.

Para o lado de fora.

— Você m-matou eles... sozinho? — perguntei me aproximando, e vendo os corpos dos loucos caídos no chão.

— Sim. — revirou os olhos, encarando a porta. — Desculpe pelo estrago. Acho que vamos ter que ir para outro lugar, antes que a comoção real chegue aqui.

Sair daqui?

— Não! — exclamei alto, vendo o soldado arquear uma de suas sombrancelhas. — Meu irmão está lá fora, e... minha mãe também.

— Sabe se estão vivos?

Fiquei em silêncio, e isso respondeu tudo. O soldado sorriu triste, levando a mão até sua coxa e soltando um gemido leve, e só então notei a mancha escura em sua calça camuflada.

Ele foi mordido?

Subi o olhar, assustado. Ele pareceu notar, olhando para trás.

— A rua está calma, não podemos fazer barulho em hipótese alguma. — falou, adentrando mais na sala. — Preciso de ajuda.

— Foi mordido? — perguntei sem rodeios. — Você foi m-

— Não. — mancando, ele se sentou na parte limpa do sofá, ignorando o corpo do jovem estirado no chão. Ouvi o som de tecido sendo rasgado, e ainda desconfiado me aproximei, vendo o soldado abrir uma fenda em sua coxa musculosa. Um corte feio, provavelmente feito por faca. — Preciso limpar isso antes que infeccione.

Ainda respirando ruidosamente, concordei com a cabeça e sai do cômodo. Eu não havia notado que estava tremendo tanto.

Quase fui morto, por muito pouco eu quase tive minhas entranhas arrancadas por aquela besta faminta. Chacoalhei a cabeça, tentando afastar as lembranças para um canto qualquer em meu cérebro, e entrei no pequeno banheiro perto da cozinha, abri o armário em baixo da pia e peguei a maleta.

Nós não podemos sair daqui. Preciso convencer o homem a ficar, meu irmão e minha mãe estão lá fora, eu não posso deixa-los para trás. Eu sei que eles estão vivos e bem.

E não estão como...meu pai.

Cheguei na sala, e o soldado estava em pé, olhando as fotos em cima da lareira, com um dos quadros na mão. Ele tem a mesma altura que eu, vendo assim de perto, provavelmente dois dedos mais alto, seus cabelos chegam quase nos ombros, meio ondulados. Seus músculos são evidentes mesmo através da calça e do casaco grosso camuflado, a cicatriz que vem desde o osso da bochecha até sua testa atravessando seu olho que fica meio fechado o deixa rústico, e até charmoso. Quando me notou o observando, ele colocou o objeto no lugar, claramente desconfortável e se sentou novamente jogando um pouco o cabelo sobre a cicatriz.

Caminhei até ele, olhando a porta aberta de relance temendo algum louco entrar.

Me ajoelhei na sua frente, encarando o corte aberto em sua coxa.

— Vou ter que suturar. — falei baixo.

O soldado assentiu rápido, se ajeitando.

Peguei a agulha curvada e uma linha de pesca, respirei fundo e tentei enfiar a linha na agulha, mas minha mão trêmula me impedia, já envergonhado pela demora bufei irritado, me assustando ao sentir os dedos longos do soldado tocarem minha mão delicadamente, pegando a agulha e a linha e em menos de dois segundos me devolvendo com a mesma posta em seu lugar.

Welcome to Hell • jjk + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora