- Já está ficando tarde, vamos ajudar! Tem muita goiaba hoje - diz minha mãe – A vó já está começando.
Minha avó Jandira faz e comercializa doces caseiros: goiabada, bananada, laranjada, doce de leite, figo em calda, entre outros. Normalmente ela trabalha sozinha, mas no tempo da goiaba (janeiro a março), costuma formar sociedade com seus filhos. Na época em que estamos, todos eles já estão casados e têm seus próprios trabalhos, mas conforme a necessidade ou disponibilidade, ainda se unem a ela e, como ela costuma dizer, a "goiaba" ajudou a todos eles a terem suas casas. Os netos também participam e confesso que desde que me lembro, "limpo" goiaba. O serviço consiste em colher as frutas, lavar, retirar os extremos e os "zóios" (seriam nódulos onde os insetos picaram ou imperfeições), cortar no meio, retirar a semente, guardando as boas e descartando as bichadas, lavar novamente. Ela usa fogão a lenha e tacho de cobre para fazer o doce, mas nesta fase as crianças não ajudam. Conforme crescíamos, as responsabilidades aumentavam e era até uma questão de status cortar as goiabas, e o primeiro passo da pirâmide era tirar as sementes. Ficávamos horas nisso, e minha avó contava muitas histórias, sobre vida de santos, filmes que assistiu, mas principalmente, suas memórias.
- Vó, há quanto tempo a senhora faz doces para vender?
- Muitos anos, os meninos eram pequenos ainda. Comecei depois que fiquei viúva de meu primeiro marido. No sítio do meu pai havia muitas goiabeiras e as frutas estavam se perdendo, ninguém aproveitava. Como passávamos muita necessidade, me decidi.
- A senhora era muito pobre? Mas o seu pai não tinha um sítio?
- Naquela época era muito diferente... Hoje vivemos como os ricos do meu tempo, mesmo sendo considerados pobres... Não havia fartura de comida, a vida era difícil...
- Vocês moravam neste sítio?
- Quando enviuvei, meu pai vivia na cidade, e sua casa possuía um terreno grande. Então pedi para ele me deixar construir uma casinha lá, com o dinheiro do seguro que recebi, e ele permitiu. Alguns de meus irmãos achavam que o que ele fazia para um filho, tinha que fazer para os outros e, mesmo não precisando, ficavam de olho. Minha mãe ainda era viva e tentava me ajudar, mas para me dar algum pão, por exemplo, fazia escondido. Mas logo ela faleceu, foram poucos meses entre sua morte e a do meu marido. Então meu pai vendeu a casa e comprou o sítio.
- E ele entregou a parte que a senhora investiu, né?
- Não, acho que como eu estava indo junto ele não pensou nisso...
- E a família do seu marido, não ajudava a senhora?
- A situação era parecida, minha sogra era muito boa e tentava me ajudar, mas às escondidas também...
- Quantos anos os seus filhos tinham quando o pai morreu?
- O José Roberto tinha 5, o Paulinho, 3 e o Geraldinho tinha 1 ano.
- Eram tão pequenos... Como que tinham coragem de negar comida para as criancinhas?
- Acho que não percebiam bem o que faziam, como eu disse, eram tempos difíceis e as pessoas, duras. Lembro de uma vez em que fui numa missa festiva e havia barraquinhas na praça vendendo pipocas, doces e também brinquedos, como carrossel, entre outros. A filha de uma de minhas irmãs foi em um desses brinquedos e quando acabou, fez a maior birra porque queria ir novamente, e foi... Eu tinha algumas moedinhas suficientes apenas para uma pipoca para os três e o Paulinho perguntou se, um dia, quando eu tivesse dinheiro, ele poderia ir num dos brinquedos... Cortou meu coração... Mas a vida era assim...
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Mas a vida era assim...
Short StoryA história de minha avó materna, D. Jandira, parece coisa de filme ou livro. Sabe aquelas inspiradoras, sofridas, emocionantes? Ela não era perfeita, contudo uma verdadeira guerreira, que amou sua família e lutou por ela. Uma mulher forte, determina...