- Fala da escola, vó, era boa aluna? Até que idade estudou?
- Naquele tempo só se estudava até o quarto ano e olha lá... Mas era boa aluna sim, inclusive minha última professora queria que eu continuasse a estudar para me formar e dar aulas. Ela até conseguiu uma bolsa para mim, mas meu pai não permitiu, pois achava que se os outros filhos não tinham estudado, eu também não poderia. Ela costumava colocar um vaso de flores ou qualquer objeto sobre a mesa e pedir para o desenharmos, e gostava muito dos meus, sempre elogiava e mostrava para a turma. Ainda tenho este meu caderno.
- Já vi, vó, são lindos mesmos. E todas as professoras gostavam da senhora?
- Não, tive uma que perseguia a mim e a outra aluna negra. Sua filha estudava na mesma sala e além de permitir as maldades da menina para conosco, ajudava dando puxões de cabelo e nos chamando de burras.
- Aprendeu bordado, costura, tricô e crochê na escola também?
- Não, costurar aprendi um pouco com a D Geni e desmanchando roupas e vendo como eram feitas. A Lenita sempre fala que eu fazia alta-costura, de tão perfeitas que ficavam e pela atenção aos detalhes, mesmo quando estava fazendo roupas simples. Mas é que gosto de serviço bem feito, tem que ter o caimento correto e não podem aparecer os pontos nas barras, por exemplo. Costurar me ajudou muito financeiramente, desde meu primeiro casamento, como quando fui para São Paulo e na serra também. Quando morávamos lá, todas as pessoas da região me procuravam, chegavam com sacos e sacos de tecido para fazer roupas para a família inteira. O tricô aprendi com uma amiga, a Noêmia. Ela ainda é professora e, quando tenho uma dúvida, a procuro. Não me importo de desmanchar quantas vezes forem precisas, tem que ficar certo. A mesma coisa com o crochê, numa toalha de mesa, por exemplo, os cantos têm que se encontrar no ângulo exato, senão fica feio. E a gente está sempre aprendendo mais, o bordado mesmo, recentemente descobri um jeito de não precisar dar nós na linha no início e final do trabalho e agora, o verso fica quase tão bonito quanto à frente. Esses cuidados valorizam o produto e mostram nosso capricho.
- Além de empregada, cozinheira, caseira, costureira e doceira, trabalhou com mais alguma coisa?
- Houve um período que nós trabalhamos com retiro. O patrão permitia que tivéssemos nossas próprias vacas e começamos a vender leite. Entregávamos nas casas, com uma Kombi, mas a vigilância sanitária começou a insistir em que vendêssemos para a Leco, mas assim não tínhamos muito lucro. Teve época em que se fossemos pegos, eles jogavam um líquido no nosso leite para estragar e perdíamos tudo. Acabei formando uma parceria com meu pai e montamos um curral dentro das normas e também para uma produção maior. Fui sozinha no banco conseguir um empréstimo e o Mário me chamava de louca pela minha coragem. Consegui o dinheiro e combinamos de dividir as parcelas, mas meu pai acabou não pagando as suas e também se confundiu e mexeu em parte do dinheiro que havia em nossa conta conjunta. Por fim, tivemos que vender tudo. Foi uma fase de muito trabalho, desgastante. Mesmo antes disso, era necessário acordar às 3:30h da manhã para dar conta de tudo, quando sobrava muito leite, tinha que correr e fazer queijos para não estragar. E tinha os doces também, acabava ficando acordada até tarde, nos matando de trabalhar.
- Nossa, vó, que trabalheira... E os doces, iniciou com as goiabas, e os outros, como começou a fazer?
- Nesta chácara tem muitas árvores frutíferas, inclusive muitas goiabeiras, e como tenho permissão de usar o que os donos não irão precisar, comecei a fazer doces de cidra ralada, figo em calda, bananada. Quando sobrava leite, também. Tem de laranjada e laranja em calda. Hoje, com o aumento da produção, compro frutas dos feirantes ou busco em lugares em que estão perdendo.
- Qual que vende mais?
- São por época, conforme é o tempo da fruta, só a banana que tem sempre. No final do ano, vendo muito pêssego e figo em calda. Mas a mais procurada é a goiabada, por uns três meses, começando em janeiro. Tem ano que faço cerca de 1000 quilos, e alguns clientes compram dezenas de pacotes para guardar no freezer e também para presentear. Já houve até goiabadas enviadas para o exterior...
- Que chique, hein? Mas a senhora só trabalha? O que faz para se divertir?
- A vida não é só diversão, mas tenho meus gostos. Sempre gostei muito de ler, hoje mais livros religiosos. Gosto muito de assistir novelas, mas prefiro as mexicanas, pois as brasileiras têm muitas besteiras. A Lenita fica reclamando, dizendo que novela prende demais a gente e tal, mas eu assisto.
- E viajar?
- Viajar é muito bom, conhecer novos lugares, já estive diversas vezes em Brasília visitando uma sobrinha e também fui para a região de Florianópolis ver minha irmã freira. Quase todo ano vou para Monte Sião e Serra Negra, procurar uma peça de tricô do meu gosto, mas está difícil achar, eles só fazem para pessoas grandes... Costumo ir com a Lenita e família para a praia, mas não entro no mar para nadar, só caminho pela areia molhando as canelas, ou fico sentada por horas olhando aquela imensidão e pensando em como Deus é maravilhoso. Agora que todos os meus filhos já têm casa, estão encaminhados, estou pensando em fazer uma viagem para a Terra Santa, sempre sonhei conhecer os lugares por onde Jesus passou...
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Mas a vida era assim...
Short StoryA história de minha avó materna, D. Jandira, parece coisa de filme ou livro. Sabe aquelas inspiradoras, sofridas, emocionantes? Ela não era perfeita, contudo uma verdadeira guerreira, que amou sua família e lutou por ela. Uma mulher forte, determina...