Capítulo 4

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- A senhora ficou morando com seu pai até casar novamente?

- Não, depois que meu pai se casou novamente, fui morar com meu irmão na cidade. Porém, dali um tempo, o Zé Roberto ficou doente, teve nefrite e precisou de tratamento. Minha irmã freira que trabalhava no Hospital Matarazzo, em São Paulo, conseguiu a internação lá. Deixei o Paulinho com sua Nona e o Geraldinho com meu pai e madrasta e me mudei para a capital. Ele ficou internado por 6 meses, e durante este período fiquei hospedada na casa de minha tia Nair e meu tio Zé, e comecei a trabalhar como costureira numa fábrica. Vinha pouco visitar os meninos. Foi muito difícil. Inclusive pensei em conseguir uma creche ou outra instituição lá para levar meus filhos e talvez me mudar em definitivo. Meus tios não tinham filhos e tio Zé até propôs adotar o Geraldinho. Minha tia ficou um pouco enciumada e me tratava com um pouco de irritação. Havia uma vizinha dela, D Antônia, também viúva com dois filhos que se afeiçoou muito a mim e me tratava muito bem, contava das reclamações da tia Nair, me ajudava, e queria alugar uma casa maior para nós morarmos juntas, mas por fim não deu certo. Quando voltei para São João, meu pai estava muito apegado ao meu filho e todos me recriminaram por querê-lo de volta. Diziam que eu estava numa situação difícil com três crianças e que seria uma alegria para meu pai ficar com o menino e uma ajuda para mim. Contrariada, cedi devido à pressão e achando que talvez fosse melhor mesmo para ele, mas com muita dor no coração. O pior é que descobri, há pouco tempo, que o menino se sentia abandonado, achando que eu tinha preferido os irmãos, não entendia o porquê não podia morar com a mãe.

- E como conheceu seu novo marido? Estava muito apaixonada também?

- Meu segundo casamento foi mais por conveniência, tinha filhos pequenos, era muito difícil naquela época, pois além da parte financeira, precisava me preocupar com propostas indevidas de homens. Um padre inclusive me orientou a casar novamente para maior segurança. Também tinha esperança de conseguir meu filho de volta. O Mário era um homem bom, um italiano trabalhador, também viúvo e procurando uma companheira, ele era 25 anos mais velho que eu. O conheci através de minha irmã mais velha que era casada com um dos irmãos dele. Seus três filhos já eram moços, e ele se comprometeu a me ajudar com os meus. Ele era atencioso, lembro-me dele deixado café e flores na janela da minha casa, mas não o amava ainda. Aprendi o que era carinho com ele, no decorrer do nosso casamento. Apesar de seus defeitos, que todo mundo tem, ele era amoroso, às vezes aparecia com flores escondidas nas costas, pedindo para adivinhar o que tinha. Nos casamos, e logo depois ele me deixou em sua casa alugada na cidade com seus filhos e foi trabalhar de meeiro na Fazenda da Serra.

- O que é meeiro, vó?

- É quando você é contratado para trabalhar em uma fazenda e entrega parte de sua produção para o dono. Ele entra com as terras e você, com o trabalho e repartem os resultados.

- Entendi. Continua então.

- Como estava dizendo, ele não quis me levar achando que seria muito duro para mim, mas dali pouco tempo ficou claro que necessitava ir embora com ele. Havia uns probleminhas na convivência com seus filhos. A moça era um pouco manhosa, estava noiva e logo se casaria, então não precisava de mim. O João era o mais simpático e colaborador, mas tinha seus problemas também, estava sempre nervoso, sofria de úlcera e possuía muitas exigências de cardápio em função disso. E o Zé Vitor não ajudava nas despesas, mas foi quem sugeriu que não deveríamos ter mais filhos. Quando nos mudamos, o Mário não tinha nada, mas nos sete anos que ficamos na serra, ele trabalhou muito e nossa situação melhorou bastante, tínhamos inclusive algumas vacas. Ele era um "pé de boi" para trabalhar, muito esforçado, e o dono da fazenda confiava muito nele, tanto que uma vez um invejoso disse que o Mário o estava roubando e ele respondeu que, por favor, o roubasse igual ao italiano. Nossa casa na colônia, que no início era uma das menos favorecidas em terreno, com o tempo abastecia com verduras e legumes a vizinhança, que vinha pedir emprestado, mesmo tendo terreno bom para plantar sua própria horta. Nosso quintal antes consistia de uma taboa e uma pedreira, mas meu marido foi arrancando tudo aos poucos e criando espaço. Viemos embora porque nossa filha estava na idade escolar e não havia possibilidade para ela. Os meninos, que eram mais velhos, estudaram lá numa escola rural, mas tinham que andar 4 km para ir, de manhã, num frio congelante, de shortinho e chinelo, nem tinham roupas direito.

- Quantos filhos teve no segundo casamento?

- Dois, a mais velha Marlene, que chamo de Lenita, e o Marinho, que morreu aos seis anos, na piscina aqui desta chácara. A ironia é que o Mário não queria filhos, até sugeriu que eu desse um jeito quando engravidei, não por não querer os filhos, mas por achar que morreria logo e me deixaria numa situação pior de que antes de nosso casamento. O Zé Vitor também ficava falando em sua cabeça contra novos filhos. Mas fui firme e nunca que tomaria chá para tirar meu bebê, sempre tive muita consciência de que já era meu filho, apesar das pessoas na época não entenderem que já era uma vida. Por fim, se tornou muito apegado aos pequenos, principalmente ao menino, que era sua sombra, sempre o seguindo para onde quer que ele fosse.

- Como aconteceu? Ele estava nadando?

- Não, pois nunca usávamos a piscina. Não sabemos exatamente o que aconteceu, ele sumiu e depois encontraram seu corpo durante as buscas. Imagino que tenho ido procurar o pai e acabou caindo na piscina. Havia sangue e cabelo na borda externa e ele tinha um machucado na cabeça. Cogitou-se assassinato na época, pois um homem que foi substituído no trabalho pelo Mário, e jurou vingança, foi visto na região, mas não há como ter certeza. Acredito que recebi um aviso da tragédia, pois numa das noites anteriores, tive um pesadelo em que carregavam um caixão pequeno e branco pela entrada da chácara e eu jogava para cima o corpo sem vida da Marlene. Sem perceber, fiz o mesmo com o Marinho... Ele era tão esperto e carinhoso...

- E como era o relacionamento do vô Mário com os filhos do seu primeiro casamento?

- Com o Zé Roberto era bom, pois eles eram parecidos, ambos fortes, robustos. Ainda menino, já trabalhava mais duramente que homens formados e, inclusive, lembro-me dele acordar antes de todos para pegar a melhor dupla de bois para os carros. Já com o Paulinho não, pois o menino, além de ser mais apegado comigo e estar enciumado, era magrinho, me ajudava mais com os pequenos e nos serviços de casa e, para piorar, se parecia muito fisicamente com meu primeiro marido. O Geraldinho não morava conosco, vinha de férias apenas, mas o chamava de pai.

- E depois de crescidos, foram sempre comportados?

- A Marlene não deu trabalho. O Paulinho gostava muito de futebol, era mais tranquilo também. Já o Geraldinho, como não foi criado junto, era um pouco diferente, às vezes criava um certo atrito com os irmãos, até pela forma como foi educado e os exemplos que tinha. Houve situações desagradáveis, como quando ele ficava atormentando a irmã pequena e os maiores a defendiam ou outra vez em que ela o corrigiu por estar sendo bruto com uma vaca leiteira e ele quis bater nela também e o Mário teve que intervir. Mas quem mais me preocupou foi o Zé Roberto, pois herdou a tendência ao alcoolismo do pai. Começou a beber cedo e se viciou. Foram muitas dores de cabeça que me deu, vexames que passou, mesmo depois de homem feito e já casado e com filhos. Mas com a graça de Deus e por intercessão de Nossa Senhora e do irmão Marinho, ele conseguiu largar a bebida. Não canso de agradecer...

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