As garras passaram pela mesa de madeira no centro do salão. O lugar era abafado e a caldeira fervia algo fedorento.
Uma linda mulher de cabelos longos e negros estava ajoelhada sobre um dos joelhos enquanto encarava o chão. Evitava olhar no rosto da anfitriã, a pele grossa, coberta de escamas, os olhos amarelos com pupilas que se dilatavam tomando quase todo o globo devido a luz fraca dentro do cômodo. Os dentes afiados e o cabelo loiro emaranhado.
Iara trincou os dentes enquanto esperava ser dispensada para se afastar o máximo possível daquele lugar. Prateleiras ao longo das paredes estavam cheias de potes com criaturas em formação e outras coisas grotescas mergulhados em líquidos coloridos.
O "salão" nada mais era do que a parte interna de uma árvore milenar morta. Havia muito poucas tão grandiosas como aquela, mesmo que se procurasse por toda a Floresta Amazônica, e antes eram usadas para festivais e comemorações, mas agora era apenas o covil de uma bruxa horrível.
— Sabe, Iara, seu trabalho com os garimpeiros e lenhadores foi bom, mas sua relutância em terminar o serviço está me tirando do sério. — A voz da criatura era rouca e aguda, como se viesse do próprio inferno, em meio a fogo e brasa.
— Me desculpe.
— Tudo bem, os baetata resolveram o problema. Apesar de eu não querer usar incêndios, não aqui.
— Eles destruíram muito da floresta.
— Ora essa, não é nem perto do que esses malditos humanos vêm fazendo! — As garras se cravaram no tampo da mesa. — Mas como já disse, não queria usar incêndios aqui, parte da culpa é sua. No entanto, fez o necessário... — Ela admirou os potes em uma das prateleiras por um momento, então abriu um sorriso com dentes amarelos e afiados. — Já um amigo seu, não agiu tão bem. Tragam-no!
A porta de madeira que levava para o interior da árvore foi aberta. Duas criaturas humanoides feitas de musgo e galhos podres trouxeram um ser menor, que se debatia e implorava em uma voz coaxada e grossa.
— Esse desgraçadinho avisou os lenhadores! Acredita nisso? — A bruxa apontou para a criatura, que foi jogada aos seus pés.
— Mi-minha soberana, juro que não fiz por mau... eu...
— Ah, cale essa boca!
A reptiliana o chutou para trás. A barra do longo vestido desbotado se levantou, mostrando patas grossas de crocodilo.
— Um mísero sapo cururu me desafiando! Tem ideia do quanto me sinto humilhada com isso?
— Por favor. — O sapo se ajoelhou mais uma vez, mal devia alcançar um metro de altura, e tremia de forma incontrolável. De sua grande boca escorria um sangue escuro e gosmento.
— Joguem-no.
A bruxa acenou para os guardas-árvore, que seguraram a criaturinha mais uma vez e a arrastaram para o fundo do salão.
— Cuca, não preci... — Iara via tudo aquilo em choque, mas tentou intervir. No entanto, a bruxa levantou uma das garras para silenciá-la.
— Se não quiser que eu acrescente uma sereia ao ensopado de sapo, é melhor ficar caladinha, querida.
Iara mordeu o lábio inferior e fechou os olhos enquanto ouvia os gritos do cururu, ouviu o barulho de algo caindo na água e gritos de agonia, até que sobrou apenas o silêncio.
— Dizem que se você colocar um sapo em uma água morna e esquentá-la com ele dentro, vai cozinhá-lo sem que ele perceba. Mas qual a graça se eu não puder ouvir os gritos?
Iara resistiu ao impulso de tapar os ouvidos diante da gargalhada que se seguiu. Era estridente e demoníaca.
— Agora vá, Iara, terei outros serviços para você, algo muito mais ousado.
Cuca se sentou em um trono feito de raízes e cruzou as mãos.
Iara começou a se afastar o mais rápido possível, mas quando saia pela porta, foi chamada mais uma vez.
— E querida, sei que nos conhecemos a muito, mas já passou da hora de se dirigir a mim como "majestade".
A jovem sereia não se virou, apertou os punhos e saiu rápido dali, tentando se afastar da terrível gargalhada da bruxa.
Quando finalmente alcançou as margens do rio amazonas, se deixou cair e chorar. A culpa era sua, ela avisou o cururu, ela o convenceu, e tudo deu errado.
Talvez ela devesse aceitar aquilo.
Entrou na água devagar e deixou as pernas se colarem aos poucos, adquirindo escamas coloridas até se transformarem em belas barbatanas. Nadou rápido, deixando a água esconder suas lágrimas. Não podia fazer nada sozinha, não ela.
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Oi, pessoal, esse foi o prólogo de uma história que espero ver crescer com vocês. Então fiquem a vontade para me dizer o que esperam, o que acharam e, claro, não se esqueçam de votar.
Até o próximo capítulo.
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SAN - Detetive Folclórico (Degustação)
FantasyAlice é uma jovem estudante de jornalismo da PUC Minas Gerais. Um dia, indo a uma boate com um casal amigo, acaba se envolvendo em uma investigação de um jovem misterioso, com uma touca vermelha e sempre de cachimbo na mão. Ele diz se chamar Sandro...