Só Deus pode nos julgar

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BOOMBSTREET

O sol já estava se pondo em Hortocity. As ruas estavam vazias. Os comércios estavam fechados. Todos estavam em suas casas sentados em frente a televisão acompanhando ansiosamente as notícias sobre todo o ocorrido na manhã daquele mesmo dia. E na televisão não se passava outra coisa além daquilo. Todas as imagens gravadas estavam sendo reproduzidas repetidas vezes, e fotos do rosto de Nig e Rome estavam fixadas no canto das reportagens com a escrita embaixo: "PROCURADOS!". Por terem seus rostos expostos durante todo o assalto eles eram os únicos que haviam sido reconhecidos. Todo mundo sabia que os outros eram Lil, Flow e Biu, embora não tiveram seus rostos expostos durante o assalto. Porém era óbvio; até mesmo pelo porte de cada um.
9 policiais haviam morrido durante o confronto e 14 ficaram gravemente feridos e encaminhados a emergência, com sérias lesões e queimaduras. Os jornais não estavam tratando aquilo como um confronto policial, e sim como um atentado. Nig e Rome estavam sendo taxados como terroristas.

Após levar uma coronhada na cabeça e apagar, Rome finalmente acorda. Ao despertar ele logo sente uma dor na parte de trás da cabeça e leva a mão até lá. Ele então senta na cama e começa a olhar ao seu redor bastante confuso.
"Onde é que eu estou?", pensa ele. Não estava em seu quarto, e não lembrava como havia parado ali. Aliás, não se lembrava de nada que havia acontecido. Ele fica olhando para os lados tentando se situar mas sua dor de cabeça estava o matando e não o permitia lembrar de nada. Ele então se levanta e sai do quarto em busca de um copo de água para refrescar as ideias. Assim que passa por uma porta ele chega na sala da casa e encontra Lil, Flow e Biu sentados de frente pra televisão e três sacos cheios de dinheiro esparramados pelo chão. Todos estavam olhando fixos para a televisão, com expressões pesadas de decepção. O clima estava bem pesado ali.

Rome fica parado na entrada da sala e passa os olhos pelo sofá até que um lhe chama atenção. Biu estava deitado com braços e pernas esticados e enfaixados. Ele fica confuso, pois não se lembrava o que havia acontecido. Porém algo parece começar a clarear em sua mente ao ligar os fatos. Ele então olha pra TV e ao ver as imagens e ler as legendas ele se lembra de tudo. As imagens então começam a surgir em sua mente como flashbacks, de forma rápida, até o momento em que ele apaga e escuta apenas um barulho estrondoso bem lá no fundo; o barulho da explosão.
Enquanto via as imagens ele vai caminhando lentamente para mais próximo da TV com a expressão espantada. Após chegar a uma distância os outros logo notam sua presença e se viram para olharem para ele.
Eles não dizem nada, apenas o encaram e observam sua reação. No momento, seus rostos eram os lugares mais improváveis de se encontrar alegria. Muito pelo contrário, a tristeza e a amargura sobravam ali.
Rome os encara em silêncio por alguns segundos e passa o olho pela sala novamente.

-Cadê o Nig? -pergunta ele com a voz um pouco rouca.

Lil, que estava com um beck aceso na boca, não diz nada, apenas indica com a cabeça para o lado e torna a olhar para a televisão, assim como os outros.
Rome segue na direção que ele indica e sai da casa. Ao chegar no lado de fora ele encontra Nig sentado na escadinha em frente a sua casa, com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos segurando um boné, na qual Nig mantinha seus olhos fixos nele e derramava lágrimas. Aquele era o mesmo boné que ele havia dado para o garoto que morreu em seus braços um tempo atrás, ali naquele mesmo lugar. Nig havia carregado aquele boné com ele desde então para nunca esquecer daquilo; o que de qualquer maneira seria impossível.
Rome vai até ele e se senta ao lado dele sem dizer nada e mantém o silêncio no ar, ouvindo apenas o barulho ambiente. O silêncio perdura por alguns segundos até que ele tenta quebrar o gelo.

-Você acertou em cheio a pancada, hein... Tô vendo estrelinha até agora -diz em tom meio irônico tentando quebrar o clima pesado que estava.

Nig não demonstra reação alguma. Estava sendo torturado por seus pensamentos naquele momento. Rome percebe que não importasse o que ele fizesse não conseguiria quebrar o clima pesado e então aceita e desiste de tentar ser irônico ou qualquer coisa do tipo. O silêncio se mantém novamente no ar por alguns segundos, até que Rome torna a perguntar, mas dessa vez em tom sério.

-Por que fez aquilo? Ou melhor... Por que não me deixou fazer aquilo?

Nig se mantém calado e leva alguns segundos para responder, até que finalmente abre a boca e diz com sua voz um pouco rouca e trêmula:

-Eu não podia deixar você fazer aquilo...
-E por que não? -Rome insiste na pergunta.

Nig limpa a garganta antes de responder.

-Você tem uma vida pra seguir. Tem uma mulher, uma filha. E eu... Bom... Eu não tenho mais nada a perder...
-Então você fez isso por mim?
-Não. Fiz isso porque era a única forma de sairmos de lá com o dinheiro. Eu sabia das consequências, sabia o que aconteceria depois. Mas fiz o que achei que devia fazer. E aqui estamos nós...

Rome assente com a cabeça e torna a olhar para a frente, deixando o silêncio no ar novamente por alguns segundos.

-Você viu as notícias na TV? -pergunta ele olhando pro chão.
-Não tive coragem... -diz Nig sem esboçar reação. Mantendo seu olhar fixo no boné em suas mãos- Mas imagino o que deve estar sendo falado.
-Estamos sendos procurados agora. Eu e você -diz Rome em tom calmo, sem demonstrar espanto.
-É... É o que acontece com quem rouba banco e explode helicóptero.

Rome assente com a cabeça novamente e então suspira.

-Como tá o ombro? -pergunta ele virando um pouco a cabeça para o lado.
-Ainda tô sentindo uma pontada ou outra mas vai passar.
-Pelo menos você tirou a bala de dentro.
-É... -Nig assente com a cabeça e limpa a garganta novamente- Aí, sobre aquilo que eu falei no banco eu queria d-...
-Esquece isso, mano -diz Rome o interrompendo- Nós dois falamos coisas que não queríamos no calor do momento mas tá tudo certo. A gente tava no meio de um assalto, era normal que uma hora ou outra a gente acabasse se estressando.
-Eu sei, mas eu só queria dizer que eu não penso aquilo sobre você -diz Nig realmente arrependido- Eu disse que você era egoísta mas você não é. Talvez eu tenha sido egoísta em pensar só no dinheiro ao invés de sairmos de lá quando você disse. Talvez se eu não tivesse ficado para poder encher mais um saco não teríamos que voltar pra pegá-lo e nada daquilo teria acontecido.
-Tem razão, nada daquilo teria acontecido. Poderia então ter sido algo pior já que as coisas seriam diferentes. Poderíamos ter sido pegos ou então mortos, mas graças a você ainda estamos aqui. E quanto ao dinheiro você não foi nada egoísta, já que você quis encher mais um saco justamente pensando na gente. Graças a você, depois que pagarmos o resgate da Lisa ainda vamos ter grana o suficiente pra poder sair do país e sumir no mundo pro resto da vida.
-Já que tocou no assunto, você já sabe pra onde vai?
-Bom, eu acordei agora a pouco então digamos que não tive muito tempo pra pensar -diz ele em tom irônico. Nig esboça um pequeno sorriso de canto e assente com a cabeça- Mas a Lisa vive dizendo que tem o sonho de conhecer a Índia, então pode ser que eu vá para lá. E você?
-Eu ainda não pensei em nada -diz Nig em meio a um suspiro profundo enquanto se ajeitava na escada- Talvez eu me jogue mundão à fora... Ou talvez fique por aqui mesmo até me encontrarem...
-Eu não acho uma boa ideia ficar. Você sabe o que vão fazer com a gente quando nos encontrarem, né?

Nig faz que sim com a cabeça e o olha no fundo dos olhos de Rome com um olhar desolado.

-É... -diz Rome suspirando fundo- Parece que agora a carreira na música acabou de vez...
-Esse é o menor dos nossos problemas agora. Mas sim, acabou de vez -diz Nig.

Rome assente com a cabeça e olha para o céu, e então o silêncio paira no ar mais uma vez.

Gangsta HoodOnde histórias criam vida. Descubra agora