Capítulo 1

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São 8h27 de uma quinta-feira, e eu estou vomitando.

Se a Ju estivesse aqui comigo agora, ela certamente diria algo como "Se não consegue segurar a bebida, nem desce pra brincar", porque essa é a versão da Ju de uma piadinha saudável entre melhores amigas.

Acontece que meu vômito não tem nada a ver com bebida. Não diretamente, pelo menos. Mas a Ju não tem como saber disso, porque eu não contei para ela.

Sim, ela é minha melhor amiga... Mas isso não significa que ela seja uma boa amiga.

Na verdade, a Judy é uma péssima amiga.

No quinto ano, quando eu tive dor de barriga na festa do Leo Carvalho, ela espalhou para todo mundo que eu estava com diarreia. Daí eu tive que aguentar piadinhas com a palavra "caganeira" pelo restante do ano, até que a Ângela Nogueira fez xixi na cama em uma festa do pijama, e o foco foi finalmente desviado de mim.

E por isso não contei nada para a Judy sobre o que está acontecendo.

A Judy pode ser bastante cruel. Se ela descobrir o que realmente está acontecendo comigo... Se contar para todo mundo da escola... Eu estou ferrada.

Sou acometida por uma nova onda de enjoo e vomito até sentir minha garganta arranhar, pedindo trégua. Encosto meu rosto contra a porcelana fria da privada e suspiro.

Bem, mais ferrada do que eu já estou.

E, para ser justa com a Judy, a primeira parte da "ferração" eu fiz completamente sozinha. Quer dizer. Não sozinha. Mas você me entendeu.

Vomito outra vez e dessa vez as lágrimas saem junto com o vômito até que meu rosto inteiro seja uma confusão de fluidos corporais indesejados e maquiagem borrada.

Bem... Essa é a minha vida agora, eu acho.

A partir desse momento, não tem mais como melhorar. Esse é o pico da minha existência, e daqui para a frente é só ladeira abaixo. É duro dizer isso, ainda mais quando estou ajoelhada no chão frio do banheiro do terceiro andar da minha escola, colocando minhas tripas para fora, e não é nem a hora do intervalo.

E eu tinha tanto potencial!

Sempre tirei as melhores notas da sala e há três anos sou a representante da turma votada por unanimidade. Dediquei anos da minha vida me tornando boa o suficiente em uma porção de coisas, como atuação, canto, natação, balé e culinária. Falo três línguas fluentemente e ando com a galera mais cool da escola. Não estou falando isso para me gabar... Afinal, tudo isso não significa mais nada agora que estou grávida.

Sim, esse é o grande mistério, a enorme revelação que não contei nem mesmo à minha melhor amiga, a razão por trás dos meus enjoos matinais.

Eu estou grávida.

E o pior de tudo é que... Eu não sei como isso foi acontecer.

Quer dizer. Claro que eu sei. Não sou burra.

Mas é justamente por isso que eu não sei. Simplesmente não entendo. Se eu não sou burra, como deixei isso acontecer comigo? Eu sei de onde vêm os bebês, sei como evitá-los e sei que engravidar no ano do vestibular é uma péssima ideia. O que foi que eu fiz comigo mesma, meu Deus?

A porta do banheiro se abre, me assustando, mas estou fragilizada demais para ter qualquer reação rápida ou coerente.

Estou no banheiro do terceiro andar justamente pela privacidade, afinal não há salas de aulas nesse andar — apenas laboratórios. Mas parece que minha nova companhia também veio para cá desejando a mesma coisa. A primeira coisa que noto é o cigarro em sua mão.

Querido bebê [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora