Carta Proibida

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Florianópolis (SC), 21 de junho de 2077

Meu caro Yahto,

É a modos antigos, eu sei. Mas venho por meio desta te agradecer de alguma forma aos ensinamentos e ao espaço para convivência que de bom grado me cedeu enquanto sonhávamos em construir algum futuro.

Há tempos queria me ocupar em algo que considerava importante, sabe? Fosse a entrada em um vestibular ou um cargo público. Mas nunca me ocorreria aprender sobre partículas, quântica ou epigenética como algo que eu creria valer a pena. E foi assim que você me abriu o caminho pelo qual sou imensamente grato.

Infelizmente, fora dos âmbitos técnicos e formais, preciso te contar algo sobre a festa na república do Pedro que decidimos ir pra comemorar o aniversário do Tiago, tá lembrado? A que você saiu mais cedo. Então... começaram com um pop eletrônico para animar o pessoal, seguido do dub e finalizaram com dark. Não preciso lembrar que tínhamos combinado que todos íamos experimentar o cogu que a Vitória ia levar pra gente, né? Você pode imaginar o estado que a gente já tava em cada um dos ritmos ali.

O que pesou, deu ruim, foi depois que a música acabou e a gente ainda tava no pic todo. As cores cintilavam que nem o neon na rua da tua casa. E a gente embalou em um fazer nevar, e dar raio, que parecia que a energia só aumentava. O chão parecia afundar. Em alguns momentos, eu pensei ter visto a Babilônia queimando. Se não fosse o Tiago beijando o Pedro, eu acharia que não estávamos mais ali. Mas, estávamos. E a seringa tava rolando. Minha cabeça queimava já, parecia uma ressaca, mas eu não queria parar. Ninguém queria. Nem nisso pensávamos.

Quando rodava pra gente, o espírito ficava leve, e as nossas mãos se tocavam como em anjos nos céus. Nós quatro já tínhamos tirado a roupa, o som voltou a tocar no quarto do Pedro, as luzes piscavam, a curiosidade tava solta. E aí que eu apaguei. E acordei sangrando, todo sujo com uma gosma. Era porra, Yahto! Eu fui estuprado lá. Talvez a Vitória também, não sei. Eu levantei e fui pra casa me limpar, tava numa bad. Com medo. Eu recém tinha começado a curtir maconha porque meus pais não curtiam que eu usasse. Fiquei aflito esperando o resultado do exame. Eu tirei uma amostra com o coletor daquele aparelho de testes de dst que tenho em casa, sabe? Deu negativo. Mas mesmo assim. Não consegui ver mais ninguém. Desisti de ficar ali, cara. Era outro estado, outra coisa, e já não tava começando bem.

Voltei pra Floripa e procurei lembrar das coisas boas, de quando você me ensinou o básico da bioquímica genética. Aquilo foi muito bom pra que eu escolhesse o que seguir. Entrei em bioquímica forense na UFSC, faço doutorado aqui e já devo ir pro exterior neste inverno. Sempre vejo um artigo com teu nome citado. É muito bom saber que o que me ajudou a seguir ainda me dá base para continuar.

Assim, eu me despeço e agradeço a você. A terapeuta também [XD].

Júlio Madson.

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