A cela parecia ser uma das últimas daquele bloco. A luz alaranjada entrou pelo vão quando Lavínia entrou por ela. Se o crepúsculo já ia, Rebeca deveria estar lá há três horas. Suada e amarrada, tanto os pés quanto as mãos. Talvez a sede e o medo pudessem fazer com que ela falasse a localização de Carlile.
"Preparada para a próxima sessão, Rebeca?", a voz falhava enquanto ela entrava curva pela sala. A garota emitiu um chiado pelos dentes ao ouvir sua voz, tch. O som apenas a incitou ainda mais. "Está ansiosa pelo visto. Vai me dizer onde Carlile está?", ria de gargalhar.
"Eu já disse, não sei onde ele está." A prisioneira a encarou firmemente, cerrava os punhos e os dentes, e a franja lhe caía a testa.
"Espero que você goste dos meus novos métodos.", foi quando Rebeca olhou pra baixo e viu uma caixa de seringas no chão. Seus olhos se abriram, sua expressão mudou para assustada por alguns segundos. O suficiente pra Virgínia poder sentir uma onda de prazer abrir seu sorriso. "Tem medo, é? Vamos ver se suas mentiras são maiores que sua vontade de viver.".
"O que é isso? O que vai fazer?" Rebeca aumentou o tom de voz, mesmo não demonstrando aliviar as mãos e o olhar atento.
"Ah! Parece interessada em biotecnologia, hein? Quem diria..." Ela se aproximou passando as mãos esqueléticas pelos ombros dela como se desse um caminho para o suor do pescoço. "Esta poderia ser a seringa do soro da verdade, não é mesmo?", ela levantou uma das mãos com algum líquido azul dentro da seringa que portava. "Ou seria esta vermelha a que estimula a produção de receptores polimodais?", ela pausou para poder ver melhor o rosto dela. "RECEPTORES DE DOR.". Sorria nervosamente que até os ombros curvos vibravam.
"Pare! Acorde! Você está louca.", a moça de cabelos crespos gritava as frases e tentava se espernear, mas as algemas dos pés amarradas ao chão e as algemas das mãos à parede não afrouxavam.
"Calada!", Virgínia espremeu suas bochechas e, ao mesmo tempo injetou o líquido vermelho em Rebeca. Mesmo que ela tentasse se contorcer, a aplicação estava sendo feita no ombro. "Agora, vamos ver se você não vai me dizer.", ela se afastava colocando a seringa com o fluido azul nos gelocs (blocos de gelo) dentro das caixas de isopor. Enquanto isto, esperava ambiciosa pelos efeitos dos neurotransmissores. "Você deveria entender nossa causa. Queremos as biometrias dele, sabe? Pra nós, seria muito importante saber o gene nocaute da sua raça. É incrível como só um grupo de pesquisadores pode ter estas informações...", ela se aproximava indignada, o pescoço passava de um lado ao outro como se examinasse o rosto da garota, e de seu dedo indicador saíam hastes metálicas pontudas, como agulhas de acupuntura grossas. Dedo a dedo, elas saíam sequencialmente enquanto ela tapava o rosto dando uma risadinha contida e fria.
Os olhos de Rebeca se abriram como não se não houvesse outro jeito de se espantar com aquilo. Ela pedia novamente para que a outra voltasse a si. Mas não era efetivo. Virgínia pensava apenas em ser precisa. Só ela sabia como seu tempo estava correndo. Quem sabe ela não seria a próxima a ter seu programa apagado? Tudo o que ela precisaria para ter um novo registro imortal e a liberdade daquele corpo era obter aquelas informações. Não que morrer significasse muito, mas viver significava coisa demais em jogo. Ela não podia falhar. Ela não podia se permitir a ouvir uma humana perfeita. Os humanos mentem, os humanos como ela, imperfeitos, não. E não era apenas sobre serem mentiras ou não. Era sobre o prazer que a carne humana tinha, o qual lhe havia sido tirado. Aquele corpo mecânico com células implantadas era bom, mas não o suficiente para ela que queria se tornar um anjo. Os anjos não conhecem o amor, seus registros lhe diziam. Assim como eles, ela queria a vida eterna. Ela queria ser uma com o ciberespaço. Ser livre da Corpus, organização que a manipulava. O corpo acabou sendo uma prisão pra ela mas também a sua arma. Seu semblante de desprezo até reagia àqueles estados.
"Olhe pra você, humana: crespa e perfeita. Um corpo desejável, pode-se dizer assim. Eu vou lhe dar um tempo...", e ela tirou um isqueiro maçarico de seu vestido tech e acendeu a chama na ponta das agulhas. "Onde está o Charlile?"
"Eu... eu... não sei.", Rebeca suava e gaguejava. Não importava o quão forte se mantivesse, ninguém viria lhe salvar. "AH!!!", ela gritava e soluçava. Virgínia havia lhe passado uma das agulhas pelo seu ventre, como em uma intervenção cesariana. E passou novamente. Ambas levemente e ambas comprovavam o efeito da injeção fazendo Rebeca gritar e se contorcer mesmo presa pelas correntes. Que era onde ela deveria estar até falar o que sabia, olhava as correntes que seguravam a humana.
"E então?", mesmo na pausa, ela não conseguia nada além de ofegar tentando recobrar a consciência. Virgínia fez um movimento rápido com as mãos e quatro delas perfuraram a linha que ficou marcada com os movimentos anteriores. Não esperou perfurar além das pontas e retirou.
"Eu não seeei...", a morena urrava e soluçava.
"Pare!!! Pare com isso, eu não sei... eu não sei", e o clamor continuava juntamente aos soluços.
Outra vez Virgínia esquentou os dedos nas chamas. Outra vez riscou. Outra vez perfurou de leve. E ela não falava. E não falou até na 30ª vez, na qual desmaiou. Seus pulsos pendurados sangravam devido as vãs tentativas de libertação. Seu ventre escorria sangue e secava. Seu corpo suado, exposto, não sustentava nem a cabeça que jazia pendida pro lado.
"Fraca! Em breve, eu volto. Uma hora terá que acordar.", a inumana saiu a procura de água. Deixando a sala como estava. As luzes dos corredores permearam a porta enquanto passava. Todo o crepúsculo se fora. E a noite ainda seria longa se ela não repassasse a informação que precisava.
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Uma carta e outros exercícios
Science FictionEsta produção é constituída de exercícios que me dispus a fazer para treino da escrita de diferentes estruturas , tipos textuais e temas. Tenha em mente que por se tratar do sub-gênero de ficção científica: cyberpunk ou biopunk, há menção à vida ba...