É impressionante em pleno 2020, com a tecnologia e o feminismo tão avançados, ter que escrever algo para mulheres que se sentem mal por sangrar (assim como eu tive a ideia de escrever tudo isso logo após ser praticamente humilhada por ter sangue saindo de dentro de mim).
Sangrar é um processo natural do corpo feminino e faz bem, mas, ainda hoje, é um tabu gigantesco.
Vejo mulheres saindo com a bolsa na mão ou espremendo um absorvente que nem cabe no próprio bolso por vergonha de sair com ele a mostra, por não ter coragem de dizer à sociedade: "ei, eu estou naqueles dias!".
Eu tive um problema com menstruação durante toda a minha vida. Meu corpo não funcionava da forma correta e, por isso, eu tinha uma menstruação extremamente desregulada. Já fiquei sangrando por exatos 2 meses sem ter ao menos um dia de descanso, e também já fiquei 9 meses seguidos sem ver menstruação na minha frente - e eu não estava grávida.
Por conta disso, eu sempre fui muito bem resolvida quanto à essas questões. Eu gostava de ficar menstruada quando era mais nova. Eu gostava de sair com o absorvente na mão pra todo mundo saber que EU TAMBÉM MENSTRUAVA E ESTAVA NAQUELES DIAS, já que na maior parte do ano eu não tinha esse "privilégio" como todas as minhas amigas.
Isso me fez ser uma mulher muito bem resolvida com meu sangue. E com todo esse desregulamento, passei por algumas situações que não gostaria que se repetissem, vou citar duas nessa história: a primeira - e talvez a mais dolorosa - foi quando eu saí com a coordenadora do colégio pra uma apresentação de um grupo que eu fazia parte e estava nos meus dias mais intensos. Ao descer do carro dela, percebi que havia sujado todo o banco. A sobrinha dela estudava na mesma escola que eu e na mesma semana todos os alunos ficaram sabendo que eu era a menina que sangrava muito. Já o segundo momento que me vi mal com a menstruação foi em uma aula de matemática que o professor não permitia que cada aluno saísse mais de uma vez pra ir ao banheiro. Em um desses dias, precisava ter me trocado algumas vezes e não pude, e, depois de cerca de 3 horas, quando fui me levantar, a cadeira estava lotada de sangue e toda a turma viu o que havia acontecido.
Hoje, a Yasmin com conhecimento feminista o suficiente e que entende que essas coisas são absolutamente normais, teria batido o pé e dito que iria sim ao banheiro se trocar. Mas a Yasmin de 7 anos atrás não sabia que sua vontade (e suas necessidades fisiológicas) poderiam prevalecer ao homem que estava à frente da turma e era superior a ela naquele momento.
Ele era sim superior como professor. Mas quem sabe quantas vezes eu necessito ir ao banheiro para não passar por um constrangimento sou eu.
Mas ele foi culpado? Talvez não.
Eu não tive a coragem de dizer que estava menstruada. Que precisava me trocar. Porque todo mundo ia me ouvir e me ridicularizar, e apesar de eu ser a pessoa mais bem resolvida quanto a isso, eu sempre tive medo do que os outros fossem pensar e sempre tentei me colocar em uma posição de defesa.E minha vida foi assim, com situações envolvendo a menstruação, altos e baixos, momentos em que ela aparecia e não queria mais ir embora e momentos que ela passava meses sem dar às caras. Tínhamos uma relação de amor e ódio. Todas as minhas amigas sabiam suas datas, todo o seu ciclo e eu ficava perdida sem saber o que era tudo aquilo. Eu nunca soube o dia da minha menstruação. Eu nunca pude planejar de ir a piscina com elas sem pensar antes: "será que vou conseguir ou estarei naqueles dias em que vai ser impossível sair da cama pela quantidade de sangue?".
Por várias vezes eu fui ao hospital pra tentar conter o sangue que não parava. Gastei rios de dinheiro com absorventes e ginecologistas até entender como o meu corpo funcionava. E todo esse entendimento chegou agora, em 2019, aos 20 anos.
Entendi que tenho um problema hormonal que não me permite menstruar normalmente todos os meses como qualquer outra mulher. Em alguns meses ela simplesmente desaparece e em outros meses ela quer fazer parte de mim sem nunca mais ir embora. Hoje, depois de 8 anos de sofrimento e de muitas tentativas com diversos remédios diferentes, ela é considerada "normal". Vem todos os meses, tenho um ciclo correto e achei que aí todos os problemas com ela acabariam.
A realidade foi sempre essa: eu achei que eu sofria com a menstruação por ter um problema. Achava que era um caso isolado e todas as mulheres com menstruações normais não passavam por situações constrangedoras.
Hoje, tendo uma menstruação normal, eu percebo que qualquer mulher pode passar por essas situações constrangedoras e isso nada tem a ver com a quantidade de sangue ou quantos dias ele está ali em você. Só o fato de sangrar e essa informação chegar a terceiros já se torna constrangedor e isso não faz sentido algum.
Passei por uma situação extremamente desconfortável quando fui dormir com um menino (que na época era meu namorado) na casa do melhor amigo dele. Ele não me permitiu usar o lixo do banheiro como qualquer outra pessoa, pois eu estava menstruada. Me senti doente. Como se eu fosse a única que não pudesse compartilhar o banheiro com os outros unicamente pela minha condição de estar sangrando no momento. Mulheres sangram, mas não! Não podia deixar vestígios de sangue em lugar nenhum, nem no lixo, que é o lugar próprio para os absorventes serem jogados. Fica quieta, Yasmin! Esconde esse teu sangue. Joga na tua própria bolsa e se sente envergonhada por sangrar. Dorme com dois absorventes e um casaco enrolado entre as pernas porque você está com medo de ser vista sangrando. Acorda mais de 3 vezes durante a noite pra garantir que está tudo "no lugar". Não fica em paz! É que mulher tem que ser feminina, e o que a feminilidade tem a ver com sangue? Feminilidade é adornada, perfumada, depilada. Fomos projetadas pela natureza de uma forma, mas somos obrigadas a esconder isso, diferente dos homens que não fazem a menor questão de maquiar a natureza deles. Nós nos depilamos, eles mostram todos os pelos do corpo sem medo; nós tapamos os nossos peitos com algo que nos aperta o tempo inteiro e é extremamente desconfortável, eles saem pelas ruas sem camisas; nós escondemos que sangramos e eles não fazem a menor questão de esconder o nojo e a vergonha que sentem de andarem ao lado de mulheres que sangram.E isso piora quando a gente estuda sobre oassunto e percebe que 57% das mulheres no Brasil tem nojo da própriamenstruação. Mas como meninas e mulheres podem ter nojo de algo que é natural esai do próprio corpo delas? É simples: todo esse nojo é baseado no que elasescutam de terceiros. Nossos sentimentos ruins em relação ao nosso própriofluxo menstrual não são naturalmente nossos e precisam - o mais rápido possível- sair de nós.
É por isso que essa leitura é tão importante:ela é um convite para o seu autoconhecimento. É preciso entender biologia ehistória para saber porque menstruamos e o porquê disso ser um tabu tão grandeainda hoje.
VOCÊ ESTÁ LENDO
MULHERES QUE SANGRAM
ChickLitUma história real para mulheres reais. Mulheres que sangram, que menstruam e que não precisam se esconder de algo que é absolutamente normal. Mulheres que sabem que todo o machismo que envolve o ciclo menstrual precisa ser quebrado - urgentemente...