SOBRE A DOR

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Talvez quando falamos sobre dores relacionadas ao ciclo menstrual, a cólica seja a primeira lembrada. E a vida seria muito mais fácil se essa dor fosse a pior! Nós precisamos enfrentar todos os dias o machismo, sexismo e a ignorância de milhares de pessoas que não se colocam no lugar de quem passa por qualquer situação desconfortável relacionada com o período menstrual. Tem dor pior do que a falta de empatia?

Mulheres são sexualizadas. Isso é notório e desastroso. Um comercial de cerveja talvez seja o maior exemplo disso: o foco não está na cerveja, mas no corpo feminino. Isso prova a sexualização do nosso corpo de uma forma ruim. O machismo faz com que os homens acreditem que as mulheres sempre devem estar ali, prontas para fazer o que eles quiserem. Submissão ao homem. É isso que é passado e ensinado de geração a geração de forma crescente.

E em uma sociedade extremamente sexista, quando os homens entendem que podem ter qualquer controle sobre a vida feminina, as coisas começam a desandar. Nós somos vistas como objetos.

E onde a menstruação entra aí? É muito simples...

Os homens - não generalizando, mas falando em sua maioria - tem nojo de menstruação. Isso não é algo cientificamente comprovado por grandes órgãos de competência, mas posso relatar diversas experiências que mulheres que eu conheço e admiro passaram perto de homens simplesmente por menstruar.

(A partir de agora, todos os nomes serão fictícios nesse capítulo. Mas todas as histórias são reais, encontradas na internet – e alteradas para preservar as identidades – ou escutadas em conversas com amigas.)

Clara, 21, namorava há 6 meses e estava completamente feliz com seu namorado. Em um feriado, a família de João viajou e ela foi convidada para passar com ele alguns dias. Animada, Clara se arrumou, separou suas roupas para os 4 dias que ficaria fora e fez diversos planos que queria realizar com João. Mas teve que voltar pra casa no mesmo dia. Clara se sentiu constrangida quando ficou menstruada durante o sexo e o cara parou tudo pra jogar desinfetante em cima da cama. Clara poderia ser eu. Clara poderia ser você. Ela passou por isso só por sangrar, e nós sangramos.

Vitória, 30, é casada há 3 anos. Ela e seu marido dormem todos os dias no mesmo colchão - exceto no período menstrual de Vitória. Ela se sente mal todas as vezes em que Lucas busca um colchão velho (que não costuma usar normalmente) só para ela deitar nos dias que está menstruada. E ela deita ali, sozinha, sem poder ficar ao lado dele e sem poder compartilhar a mesma cama. Vitória poderia ser eu. Vitória poderia ser você. Ela passou por isso só por sangrar, e nós sangramos.

Cecília, 23, foi muito feliz para o seu primeiro dia de aula em um colégio novo. Ela tinha crises de ansiedade e, pela primeira vez, estava se sentindo confortável em conhecer um lugar diferente. Até a menstruação vir, do nada, fora do dia que ela estava esperando. Cecília teve que ouvir todos os colegas da turma zombando dela quando a calça manchou de sangue. Cecília poderia ser eu. Cecília poderia ser você. Ela passou por isso só por sangrar, e nós sangramos.

Daiana, 32, menstruou muito nova e, por ter um fluxo muito forte, às vezes sua roupa ficava manchada de sangue. Daiana tinha muita vergonha de falar com seus pais sobre isso, e, aos 12 anos, começou a tomar por conta própria o seu anticoncepcional – sem fazer ao menos algum exame – com o dinheiro da mesada que recebia de seus pais. Daiana nunca foi consultada por uma ginecologista. Daiana teve trombose e até hoje sofre com as consequências. Daiana poderia ser eu. Daiana poderia ser você. Ela passou por isso só por sangrar, e nós sangramos.

Olívia, 19, foi passar a noite na casa de uma amiga, mas pegou no sono sem querer, no sofá, antes mesmo de trocar o absorvente. O resto vocês já sabem. Até hoje elas não se falam. Olívia foi ridicularizada na frente de todas as outras pessoas que estavam presentes e saiu da casa chorando, de vergonha. Olívia poderia ser eu. Olívia poderia ser você. Ela passou por isso só por sangrar, e nós sangramos.

Maria, 34, estudou durante todo o ano para uma prova superimportante que definiria todo o seu futuro. Maria deixou de sair, de namorar, de conhecer coisas novas e de passar momentos com sua família, pois estava estudando. Mas Maria não conseguiu se concentrar em sua prova, que durava cerca de 6 horas. Ela precisava SOMENTE trocar o absorvente e não podia sair da sala. Desconforto. Vergonha. Medo de sair suja. Machismo. Maria poderia ser eu. Maria poderia ser você. Ela passou por isso só por sangrar, e nós sangramos.

Juliana, 21, planejou uma noite no motel com Victor, que era sua paixão desde a adolescência. Ju gastou dinheiro se depilando, comprando hidratantes e perfumes e cuidando de tudo para que a noite fosse perfeita (pra ela ou pra ele?). Mas, antes de sair de casa, Ju ficou menstruada. Ela acreditou que poderia ir assim mesmo, e foi – e estava certíssima, afinal, ela podia mesmo! Mas Ju, depois de gastar muito dinheiro planejando a noite, foi obrigada a pagar a conta do motel sozinha, mesmo não sendo esse o combinado entre ela e Victor. Victor sentiu nojo da menstruação. Disse que não ia transar com ela "daquele jeito" e não ia pagar "sem usufruir". Ju se sentiu desrespeitada e suja. Imunda. E o corpo dela só estava cumprindo o ciclo correto, que a natureza criou. Ela pagou a conta sozinha. Não só a conta do motel, mas a conta de ser mulher. Juliana poderia ser eu. Juliana poderia ser você. Ela passou por isso só por sangrar, e nós sangramos.

Camila, 20, namorava há 3 anos e não podia dormir na casa do namorado. O pai não deixava. Camila sempre o respeitou. Quando completou 20 anos, ela pôde realizar isso – que na época era seu maior desejo. Fred dizia que a noite mais bela seria quando eles dormissem juntos. Camila sonhou tanto com isso! E o dia, no final, foi um pesadelo. Fred terminou todo o namoro quando acordou e viu que o colchão estava sujo de sangue. Camila menstruou durante a noite e não percebeu. O colchão valia mais que o amor de 3 anos. Camila poderia ser eu. Camila poderia ser você. Ela passou por isso só por sangrar, e nós sangramos.

Laís, 32, transou menstruada com seu primeiro namorado, e sentiu coisas que nunca havia sentido antes. Ela entendeu que preferia transar menstruada. Mas nunca mais fez isso. Ela tentou isso com um outro menino, Lucas. Mas Lucas viu o sangue e sentiu nojo. Pediu para que ela fosse embora. Depois disso, Laís nunca mais teve coragem de transar menstruada. Ela tem medo do que os homens vão pensar. Laís se priva de algo que ama por um nojo que não tem nem coerência. Laís poderia ser eu. Laís poderia ser você. Ela passou por isso só por sangrar, e nós sangramos.

Larissa, 21, esperou por meses por uma festa que queria muito ir. E menstruou durante a festa. Até aí tudo normal, certo? Isso não deveria ser nenhum impedimento para ela se divertir. Mas foi. O short ficou com uma manchinha de sangue e todos olharam pra ela de uma forma tão torta, que Larissa foi para o banheiro, tirou o short, lavou na pia, e ficou até o final da festa sem conseguir aproveitar, pois estava esperando o short secar. Larissa poderia ser eu. Larissa poderia ser você. Ela passou por isso só por sangrar, e nós sangramos.

Carolina, 26, foi passar alguns dias em uma viagem e dormiu menstruada. Passou por uma situação que toda mulher que menstrua passa, pelo menos uma vez na vida: sujou de sangue o colchão. Mas, dessa vez, do hotel. Ela ficou até o final da sua viagem com aquele lençol ali, sujo de sangue, pois sentiu vergonha de chamar a camareira para trocar. Carolina poderia ser eu. Carolina poderia ser você. Ela passou por isso só por sangrar, e nós sangramos.

Marjorie, 22, tem roupas que adora usar, e usa sempre que pode! Mas tem alguns dias do mês que ela adoraria continuar se vestindo como ama, e se sente obrigada a deixar de usar essas roupas. Existem roupas que marcam os absorventes. Pra ela, é muito vergonhoso mostrar para a sociedade que está usando um absorvente por baixo daquele short apertado. Ela se esconde, se priva, se diminui pra caber em um lugar que não é o dela. A vergonha, o tabu e o nojo da sociedade sobre algo que é completamente normal fazem isso com a gente. Marjorie poderia ser eu. Marjorie poderia ser você. Ela passou por isso só por sangrar, e nós sangramos.

Letícia, 19, tinha um problema como seu fluxo menstrual – assim como eu. Ela nunca sabia quando a menstruação viria, qual a quantidade que viria e como tudo funcionava dentro de seu corpo. Letícia tentava ficar sempre preparada para qualquer situação, mas, às vezes, era pega de surpresa. Letícia foi para a escola e manchou a calça de sangue. Então, levou uma bronca da coordenadora porque "não estava usando absorvente", e segundo ela, "isso não era coisa de mulher direita".

Ainda acredita que a maior das dores é a cólica?

MULHERES QUE SANGRAMOnde histórias criam vida. Descubra agora