Capítulo 6

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Decidi ignorar a mensagem e não ir ter com ele. Tomei o pequeno-almoço com mais tempo que normalmente, queria chegar mais tarde à escola hoje no caso de ele vir ter comigo por vontade própria. Peguei na mochila e pus-me a caminho. A primavera está a chegar e, com isso, as flores estão a desabrochar. O caminho fica mais bonito assim.
Entrei na sala de matemática, cheguei no mesmo momento do professor. Como não tinha aulas de tarde, decidi perguntar à Teresa e à Daniela se queriam ir beber batidos a um novo café que abriu perto da escola. Assim fomos, foi a tarde mais normal que tive em algum tempo. Três raparigas a pôr a conversa em dia e a fofocar como típicas adolescentes. A nossa escola é bastante pequena. Tem três turmas de cada ano, do 10° ao 12°. É difícil pensar que daqui a um ano já não vou estar cá. Eu ainda não sei o que é suposto eu fazer, mas isso é assunto para se pensar depois. Além disso, a minha mãe não me vai deixar fazer outra escolha senão medicina, até deve ser mais fácil assim.

Cheguei a casa. Tenho uma mensagem do Tiago, ao que parece precisa de falar comigo. Eu vou ter com ele, só para lhe dar uma chance de se explicar. Se recusasse aposto que nunca mais me parava de chatear.
Fui ter ao parque, lá estava ele, com uma t-shirt dos Joy Division, sentado num banco do parque, claro que não da forma convencional, sentou-se nas costas do banco, com os pés na zona em que é, realmente, suposto sentar-se. Começou a falar de como o céu estava bonito. Realmente estava. Eu sou apaixonada por estrelas, e pela forma de como elas se apresentam sempre nos mesmos grupinhos, sabia a maior parte das constelações até agora reconhecidas. E eu gostava de construir as minhas proprias constelações. Imaginar formas com aqueles pontinhos brilhantes, que são tão poderosos, mas para nós não passam de decoração. Exceto o sol, claro, essa obviamente passa de simples decoração. Comecei a nomear as constelações que via. Ele olhava para mim como se eu fosse algo extraordinário que precisasse de ser protegido. Passado um bocado começou a falar dos seus pais. Era verdade o rumor do pai ter matado a mãe dele.

- Ele chegou a casa, viu-a com outro e não aguentou a dor de ser substituído pela única pessoa que o apoiava. Matou-a a ela e ao homem que estava com ela. Ele não era saudável, não que fosse preciso não o ser para isto acontecer, há muitos casos em que acontece. Ele andava num psiquiatra desde que me lembro, não sei ao certo o que ele tinha, era uma mistura de várias coisas. Os pais dele, os meus avós, diziam que era tudo para atenção, para a minha mãe ter pena dele e não o deixar. E, realmente, ele era demasiado dependente da minha mãe. Notava-se que ele gostava mesmo dela, como se fossem adolescentes ainda, tinha aquela atitude de quem se apaixonou há pouco tempo. Ela nem tanto, acho que ela só estava com ele por medo do que ele pudesse fazer a si próprio, e a ela, caso ela o deixasse. Que foi o que aconteceu. Ela era o único motivo de ele viver. Ver que ela já não sentia o mesmo arruinou-o. Eu estava ali ao lado, no meu quarto. Isto aconteceu há 2 anos. Estava a ouvir música e ouvi o barulho estrondoso. Saí a correr e estava ali o meu pai ajoelhado, com a arma no chão ao lado. Eu não quis ver o que tinha acontecido porque a partir do momento em que visse aquilo tudo se ia tornar real. Eu sabia que a minha mãe trazia homens para casa, mas ela sempre foi cuidadosa. Mas não naquele dia. Tranquei-me no quarto, com medo que ele também quisesse retaliar comigo. Chamei a polícia. Ele foi para a cadeia, obviamente, mas matou-se na primeira semana de lá estar. Eu fiquei com a irmã da minha mãe. Ela e o marido olham para mim como se eu fosse o meu pai, não temos a melhor relação, como deves imaginar.

Não sabia como reagir àquilo tudo. Lágrimas escorriam pela minha cara, limitei-me a abraça-lo.

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⏰ Última atualização: Jan 31, 2020 ⏰

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