"Eu quero você
Sim, eu quero você
E nada chega perto
Da maneira que eu preciso de você"Oceans - Seafret
A condessa Amélie Santinelli está debruçada à mesa da biblioteca da família real Underwood há quase duas horas; participou apenas do jantar para marcar presença e ausentou-se desde o início do baile particular, em comemoração ao regresso de Sir. Edmund de Navarro, capitão da guarda real e amigo de grande estima do rei.
O capitão ausente há cinco meses tinha a missão de se atualizar quanto aos ocasionais motins dos presos abissais de Black Hole, uma prisão construída além da ilha para assassinos sanguinários, estupradores e inimigos da coroa que muitas vezes atuavam em represália às condições inumanas e dos trabalhos braçais nas ruínas. Além disso, Sir Navarro, também fornecera treinamentos básicos aos acusados de pequenos furtos: desde galinhas e plantações à comércios regionais sem que as ações ocasionassem morte ou ferimento das vítimas dos roubos, e ao invés de cumprir a prisão em regime fechado, tinham como opção de, mediante observação de soldados escalados, monitorar as conversas e atividades dos prisioneiros e possíveis uniões passivas de violência extrema entre os presos ou diretamente aos funcionários.
Em princípio, Amélie achou interessante as desventuras de Sir Navarro, entretanto a empolgação dos homens com detalhes sanguinários e o latente desespero de algumas das mulheres de serem notadas levou a jovem para fora de circulação.
Saiu sorrateira da festa, apenas oferecendo reverência ao rei e a rainha. Em sua escolha de ficar na biblioteca, Amélie passou a escrever incessantemente sobre uma ideia da qual fora acometida enquanto limpava a prateleira de relatos históricos dos últimos 75 anos.
Sua concentração era tanta que não ouviu passos nos longos corredores que levavam àquele santuário, muito menos percebeu de imediato a presença do príncipe Edward Underwood até que ele estivesse próximo o bastante da donzela.
Bem, próximo ao limite de ainda deixá-los confortáveis, claro.
--Boa noite, senhorita Amélie. -- A moça após recuperar-se de seu sobressalto ao som da voz da qual não se lembrava duma época em que não reagia com fervor lhe respondeu com uma sutil reverência, e antes que pudesse falar, ele se adiantou -- Notei que a senhorita não se uniu a nós ao baile. Há algo de errado ou sua mente criativa não a deixou em paz?
-- Ah, Edward, eu fico encantada pelos bailes e as conversas certamente são interessantes, no entanto não encontrei em mim o desejo de ir até lá que superasse minha vontade de escrever.
Ela balançou a mão esquerda com leves salpicados de tinta preta enquanto ele a olhava com divertimento, causando um agitamento no peito de Amélie que tentava definir seus sentimentos como um nobre carinho de irmã postiça, o que não lhe facilitava bloquear ideias erradas ao olhar nos olhos negros e brilhantes do rapaz que, verdadeiramente a admirava, e não agia com a usual estranheza que seus hábitos de leitura e escrita causavam ao restante dos membros com livre acesso ao castelo.
-- Mas e você, que está achando do baile? -- Perguntou atenta ao franzir de testa de Edward ao organizar seus pensamentos. A vontade de chegar mais perto e tocar o rosto do jovem: os vincos na testa, o nariz que pende levemente para a direita e as marcas de expressão no canto dos olhos, lhe invadia de sensações que ela facilmente classificaria como tolas. -- Não me poupe dos detalhes.
-- Devo alertá-la quanto à indiscrição de minhas próximas palavras, senhorita, mas as mulheres são tempestuosas. - Amélie gargalhou -- Fato! Elas estão sempre querendo mais uma dança e as perguntas são parecidas e minhas perguntas para elas são parecidas o que me faz crer que também não estou dando meu melhor, porém todas parecem encantadas. Depois os homens batem às minhas costas com risadinhas e piadas sobre o momento que terei de escolher uma noiva. E os olhos de minha mãe? -- Ele passa as mãos nos cabelos escuros evitando os olhos verdes da jovem, incapaz também de mais aquele baque. -- Estão sempre brilhantes, à espera.
-- Isso o apavora, imagino. -- Concluiu a jovem condessa - Mas você tem que pensar sobre isso com cuidado, Edward. É a sua vida, mas também a vida de seus pais e de toda Westerfall.
A jovem ponderou as palavras seguintes, mas sabia que com ele não precisava fingir pouco conhecimento sobre a frágil fase política da ilha, além do mais, pensar sobre o assunto a deixava ciente do quanto seria difícil um final feliz para o amor que nutria por ele, e não pela primeira vez pensou se não seria melhor deixar seu sangue italiano falar mais alto que o sangue alemão que também corria em suas veias e tentar conquistá-lo apesar das implicações de tal loucura.
-- Você bem sabe que é de extrema importância desposar de uma jovem influente na elite burguesa, as ideias de Rousseau e Voltaire pregando reformas sociais e a liberdade para escolha de seu governante tem enchido os olhos do povo. E por mais que eu ame seu pai e sua família e seja grata por tudo, não há como negar que aos poucos certamente as pessoas vão lutar por algo que lhes dê maior autonomia, algo que oprima menos que as regras impostas pela igreja. Seu reinado está ameaçado, se para você não totalmente, pense na linhagem dos Underwood no futuro.
-- Eu sei. Nem eu mesmo acredito que um rei é guiado pela divindade e está acima de qualquer questionamento. É só que meus pais casaram pela conveniência desta paz entre burgueses e a monarquia, auxiliado a pulsos firmes pela igreja católica, no entanto aprenderam a se amar ou a se respeitar profundamente, pelo menos.
Edward a fitou por um segundo inteiro em desespero:
-- E se eu não suportá-la e ela me amar? E se eu apenas tolerar sua presença e ela me odiar? -- Ele suspira e volta sua atenção à mesa cheia de livros, imaginando que Amélie fará algum comentário genérico sobre essa questão específica, quem sabe tendo a ousadia de perguntar a ele: "E se você amá-la?" -- Mas, diga-me antes que eu a conduza ao baile para uma única dança agradável que salve minha noite: o que têm escrito aí, Amélie? Conte uma história para mim.
🏰
Olá, você! Como vai?Se você pensou em perguntar sobre mim também: sinto-me feliz! Esse é o segundo conto que posto aqui e ambos estão completos.
Livros, vinho e coração partido já havia sido postado aqui com o nome da música que o inspirou: Oceans do Seafret, mas além do título até tomei vergonha e coloquei uma sinopse que foi difícil de escrever (Quem inventou a sinopse? Minha nossa! 🤭). No geral, o conto tem a mesma essência, mas revisei novamente e acrescentei alguns elementos. Espero que a gramática no geral esteja decente.
Vejo você no Capítulo 2.
Salve!
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livros, vinho e coração partido
Short StoryEssa é a história de uma condessa mergulhada em livros e escrita e um príncipe enfrentando as prévias de um reinado ameaçado. Um amor platônico nascido nos corredores da biblioteca real pode mudar as regras da monarquia? *3° lugar na categoria "Cont...