"Que comece a caçada
Tudo ocorre como deve
Que comece a caçada
Derrube o grande rei"
Elephant Gun - BeiruteDe volta ao seu refúgio e com a alegria causada pela dança e a leveza que o vinho impunha em seu organismo, Amélie pretendia reunir seus escritos e levar para o quarto onde trabalharia as novas ideias advindas da noite no salão. Como costume, fora até o corredor guardar os livros que usara mais cedo usando a escada para guardar a maioria deles; ouviu a voz rouca que mais amava no mundo lhe chamar e desceu os degraus com cautela, onde um Edward com a pele corada lhe aguardava.
-- Eu não voltarei ao salão novamente, alteza -- Ela ergueu o canto dos lábios lhe correspondendo o sorriso, sentindo-se incapaz de conter o ímpeto de se afastar do jovem que estava tão perto, sua única alternativa foi manter-se encostada a escada e se concentrar em controlar a respiração.
Contra todas as reservas, ficaram apenas se encarando. Diferente de Amélie, o futuro rei não conseguia controlar o escandaloso subir e descer do peito. Ele espalmou a mão na prateleira ao lado da cabeça de Amélie e arriscou meio passo a frente.
-- Eu quero tanto... Quero tanto beijá-la. -- Os olhos que o encaravam continham tanto fogo que ele pensou se o contato deles, além de uma dança em um salão lotado, poderia queimá-los. -- Por favor! Por favor, Amélie, me dê a permissão que tanto anseio. - ele sussurrou sentindo- se estupidamente frágil.
-- Dança comigo mais uma vez, alteza.
Edward segurou a mão que ela estendeu e a puxou para perto. Numa dança lenta e inadequada, talvez proibida, eles nunca estiveram tão perto antes. Ela cheirava a livros antigos, poesias e vinho; ele cheirava maresia, eucalipto e coração partido.
Um beijo, uma ato tão físico, algo maior que o compartilhar de uma dança teria sabor de morte e vida, aprisionamento e liberdade.
O que eles fariam depois?
-- Por favor! -- Ele suplicou.
Reunindo força e coragem, a jovem levou o corpo para trás encostando-se a prateleira. Vê-lo parado à espera lhe causava arrepios prazerosos. Amélie fechou os olhos e tornou a abri-los com a decisão tomada, puxou a casaca do rapaz para junto de si, as mãos dele tomaram seu rosto com leveza, o ar compartilhado pelos milímetros que os separavam da ruína e redenção.
Com o primeiro grito, as bocas deixaram de ser o foco e os olhos arregalados encontraram-se.
Com o segundo e o estalido alto de uma arma, os corpos separaram-se apenas com as mãos unidas.
Então, quando a verdadeira confusão se instalou e um guarda ferido entrou na biblioteca chamando por seu príncipe. Edward pediu que Amélie se escondesse e correu para dentro do que poderia ser próprio inferno.
🍷
Caos era a única palavra curta e impactante para descrever o que Edward encontrou ao voltar às pressas para o salão.
Como aquilo aconteceu?
Correndo em direção onde outrora seus pais estavam, escorregou no sangue pegajoso e quente de alguém, espalmando a mão esquerda em uma taça quebrada deixando sua própria marca na chão, a queda no entanto o salvou de uma possível morte, pois em seu encalço havia um dos homens que invadiram o castelo.
Com tempo para reagir, Edward passou uma rasteira no homem de cabelos e barba cumprida, os dentes amarelos arreganhados como de um animal feroz lutou para não ser imobilizado erguendo uma das pernas que acertaram a virilha de Edward que, ao se curvar de dor, sentiu as mãos do homem pressionarem sua jugular.
O príncipe de Westerfall pensou em quão estúpido seria morrer em sua primeira batalha, porém o pensamento não foi muito adiante, em meio aos gritos, o urro do homem sobressaltou-se e Edward sentiu o alívio de respirar com menos dificuldade.
Amélie alternava o olhar horrorizado entre a base do vaso quebrado em sua mão e o homem desacordado. Edward com gentileza tirou o que restara do vaso da mão da jovem e a segurou conduzindo-a ao corredor que os levaria a uma das passagens secretas do castelo, onde desejava que os pais, o irmão e osconvidados e habitantes do castelo estivessem em segurança.
-- O que está havendo? - Amélie perguntou e Edward ao se virar para dizer a ela que também não sabia notou que não estavam sozinhos pelos corredores sinuosos e Sir Navarro os acompanhava de perto. -- Foi tudo tão de repente, não compreendo Capitão.
O homem com a espada suja fixa na cintura e arma em punho, passou o dorso da mão secando o suor e sangue de um corte no supercílio. A respiração pesada e a postura rígida.
-- Estamos em uma ilha, senhorita. -- Sir Navarro suspirou audivelmente -- Nenhum navio desembarcou no cais, então só posso supor que seja um motim. Não é de hoje que o clima entre o reino e os súditos está balançado. Temo que algum guarda tenha facilitado o acesso ao castelo.
-- Sim, faz sentido. -- Edward ponderou com um aperto no peito. -- Entregamos a eles a oportunidade quando reduzimos os soldados em guarda e oferecemos esta confraternização em meio ao que julgamos como pequenos atos de rebeldia.
Uma ilha como Westerfall, de pouco mais de mil habitantes, em um regime absolutista não poderia reinar em paz por mais um século. Edward manifestara novas ideias, a reforma de leis e a divisão do poder, mas mesmo o pai sendo um homem bom e maleável a novas reformas não se resolve de uma hora para outra tomar o poder intrínseco nele.
A questão é: Edward Harper Underwood III conseguirá chegar ao trono depois dessa noite ou é tarde demais para a família real?
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livros, vinho e coração partido
KurzgeschichtenEssa é a história de uma condessa mergulhada em livros e escrita e um príncipe enfrentando as prévias de um reinado ameaçado. Um amor platônico nascido nos corredores da biblioteca real pode mudar as regras da monarquia? *3° lugar na categoria "Cont...