Diferente de alguns contos que você encontrara por aqui, este não se passa na pequena cidade de Santa Lúcia. Muito pelo contrário, ele se passa exatamente em uma cidade vizinha, que assim como uma terceira é ligada a Santa Lúcia por uma extensa mata.
Era uma noite quente. Pernilongos voavam de um lado para o outro, assim como algumas mariposas que voavam ao redor das luzes alaranjadas dos postes do lado de dentro e de fora da pequena estação de trem.
Marcos era um garoto um tanto magricela. Com cabelos escuros e muito volumosos. Os olhos castanhos vivam irritados e vermelhos. Talvez fosse por uma alergia, talvez fosse pelo fato de que o garoto começava a ficar míope. Sua mochila vivia pesada, devido aos livros e cadernos que ele sempre carregava para faculdade. E por mais que tentasse aparentar, não era nem um pouco corajoso como os quatro outros irmãos que possuía.
E ele havia acabado de desembarcar do trem que o trazia de Santa Marina, e o observava se afastar rapidamente. Os dois pontos avermelhados dos faróis desapareceram na escuridão e ele caminhou em direção a saída, passou pela roleta e olhou para os dois lado, vendo se havia mais ninguém por ali. Deu a volta na estação e seguiu ao lado da linha férrea.
Só havia duas maneiras de chegar em sua casa. A primeira era a mais demorada, pois o fazia andar por uma longa e deserta estrada de terra por quase quarenta minutos. A segunda era mais rápida e "tranquila". O garoto só precisava seguir a linha férrea até uma pequena trilha, dentro da mata, que o deixava bem ao fundo de sua casa. E apesar de ser completamente escura, ele se sentia mais seguro ali do que na estrada, onde estaria exposto e completamente vulnerável.
Ele apertou a alça da mochila com força e continuou a caminhar. Diferente de todas as outras noites, esta estava silenciosa. O mato ao seu lado não balançava com o vento. Nem mesmo os grilos, ou qualquer outro animal, parecia ousar emitir qualquer som. A lua crescente brilhava em meio a um céu estrelado e sem nuvens.
Marcos avistou a trilha logo a frente. Apertou o passo e entrou na mesma. Árvores altas e o mato baixo cobriam os dois lados da trilha de terra. Ao fundo, muito longe mesmo, uma pequena luz laranja se projetava do único poste naquele lugar, de resto a escuridão e o silêncio predominavam. Marcos sacudiu o celular e ligou a lanterna do mesmo. Teve vontade de colocar seus fones, mas por mais que se sentisse seguro ali, ele sabia que precisava ficar atento a qualquer barulho estranho.
Estava na metade do caminho quando algo chamou sua atenção. O mato do seu lado esquerdo balançou com força, como se um grande animal tivesse acabado de passar por ali. O que fez o garoto parar quase de imediato. Seu coração bateu com força e ele sentiu o suor começar a se formar em sua testa e nas palmas das mãos. O medo de que alguém pudesse estar escondido e apenas esperando para lhe fazer algum mal gritou dentro de sua cabeça. Ele respirou fundo, pronto para correr se precisasse. Semicerrou os olhos tentando ver algo. Se abaixou e pegou algumas pedras, e as atirou com força na direção em que o barulho havia vindo. Mas seja lá o que fosse, já não estava mais ali.
Marcos se virou, pronto para voltar a caminhar, e seu coração pareceu afundar dentro de seu peito. O sangue fugiu-lhe da face e ele quase soltou um gritinho assustado.
A sua frente. Talvez dois ou três metros para ser mais preciso. Havia uma criatura baixa e corcunda. Estava nua e seu corpo era repleto de pelos escuros. Um cheiro podre partia da coisa, assim como o som de algo sendo mastigado.
Marcos deu um passo para trás, tomando o cuidado para não emitir nenhum som. Segurou o celular com as duas mãos, pois elas tremiam, e bateu uma foto. Logo em seguida desligou a lanterna do celular e o segurou com força. Olhou para trás. Pensando que se corresse, talvez conseguisse chegar a linha férrea em dez minutos.
Talvez seja melhor esperar. Pensou. Talvez essa coisa não me veja.
Marcos balançou a cabeça negativamente. Talvez se ele ficasse em silêncio a coisa iria embora e..
A melodia rápida do toque de seu celular soou alta, parecendo ecoar por todas as partes. Ele tentou desligar o mais rápido que conseguiu. Quando olhou para frente a criatura já não estava mais lá.
Marcos olhou ao redor. Mas não havia o menor sinal de que aquela coisa estivera ali. Respirou fundo e estava pronto para correr quando uma leve brisa fria percorreu a trilha, roçou em sua pele e balançou a copa das árvores. Ele sentiu o estômago embrulhando quando algo podre atingiu seu olfato. Um grunhido ao lado de sua orelha o fez gelar e se arrepiar da cabeça aos pés.
"Se correr o bicho pega. E se ficar o bicho come." Disse a voz de sua mãe em sua cabeça.
Marcos se virou lentamente. O coração batendo tão rápido dentro do peito que uma parada cardíaca não teria lhe surpreendido.
A criatura agora estava a alguns centímetros de distância. Era mais alta do que aparentava. Havia uma fileira de dentes afiados que se projetavam para fora de suas mandíbulas. O rosto era esquelético e escuro. Seus olhos, de um vermelhos escarlate, brilhavam em meio a escuridão. Algo parecido com cabelo escorria de sua cabeça até a altura de seus ombros.
O grito que estava preso em sua garganta escapou por entre seus lábios de forma aguda. E o garoto desatou a correr.
O garoto berrava por ajuda. Certo tempo depois seus pulmões começaram a doer. A criatura parecia correr por dentro da mata, saltando por entre as árvores e caindo com alguns baques surdos.
Marcos alcançou a luz do poste e se apoiou no mesmo. Tossiu algumas vezes e respirou fundo. E tirando o som pesado de sua respiração, a mata agora estava silenciosa. Olhou ao redor, desesperado. De um lado a escuridão se seguia até a estação de trem. Do outro seguia até o fundo de sua casa.
Talvez ela tenha medo de luz. Pensou, enquanto formulava um plano.
Se continuasse a correr talvez em seis ou sete minutos chegaria ao pequeno portão de madeira. Isso se aquela coisa não o pegasse antes.
Marcos pensava rapidamente. Tão concentrado que não percebeu a forma escura sentada em cima do poste. O encarando de cima. O pescoço parecendo se alongar em direção ao garoto. Uma de suas mãos se fechou ao redor da lâmpada do poste, e com apenas um aperto fez a mesma estourar, lançando algumas fagulhas e cacos de vidro para todos os lados.
O garoto levantou a cabeça, enquanto engolia a própria saliva. Em meio a escuridão, os olhos da criatura pareciam duas pequenas bolinhas flutuantes. Que desciam lentamente em sua direção.
Naquele momento Marcos sentiu algo quente escorrer por sua calça e se acumular em seu tênis.
O cheiro podre da criatura agora impregnava tudo a sua volta.
Marcos tentou correr, mas o corpo não reagia. A sensação era de ter dois enormes blocos de concreto em seus sapatos. Ele fechou os olhos e disse para si mesmo que não morreria ali. E enquanto a criatura se aproximava, ele finalmente voltou a correr.
Ele sabia que sua vida dependia de cada um de seus passos. E tentou ao máximo não tropeçar, e quando isso acontecia, logo se equilibrava e continuava a correr. A trilha parecia se alargar, ficando tão grande que era como se não tivesse fim.
Marcos avistou a pequena entrada de madeira do portão de sua casa. A sensação de alivio o preencheu, fazendo seus olhos marejarem. Ele estendeu a mão, quase sentindo o toque da madeira fria. Seus lábios se abriram e ele gritou pela mãe.
E essa foi a última coisa que disse.
Como em um piscar de olhos se ouviu um estalo alto. As árvores se agitaram e Marcos desapareceu. Deixando para trás um amontoado de roupas e uma mochila tão pesada que a alça direita começava a se rasgar.
A porta de alumínio se abriu com um rangido seco, enquanto uma pequena luz amarelada se acendia, e uma cabeça surgia para fora.
Uma senhora de cabelos brancos e ralos saiu para fora. Olhou diretamente para o pequeno portão de madeira por onde seu filho deveria já ter passado e suspirou. Com um aperto no coração ela fechou a porta, sentou-se na cadeira de madeira e esperou.
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Histórias Assustadoras do Chão
HorrorBem vindo ao Chaoverso. Aqui você encontrará uma série de histórias arrepiantes baseadas em monstros e criaturas que me atormentaram durante anos. Perdoe o jeito cru. Afinal é um tanto quanto pessoal. Não me responsabilizo por pesadelos ou sensaçõe...