A Carona

37 4 6
                                    


Era uma noite chuvosa. Um Ford Sedan preto avançava por uma estrada deserta. Os pingos pesados caiam sobre a lataria do carro, provocando um som suave e aconchegante. Os vidros estavam embaçados devido à baixa temperatura. Arvores altas cobriam ambos os lados da estrada, onde do lado direito uma placa indicava as três cidades que se aproximavam.

Dentro do carro se encontrava uma única pessoa. Um jovem de vinte e poucos anos. Com cabelos castanhos, cacheados, que caia sobre a testa branca. Olhos castanhos que observavam atentamente a estrada, lábios rosados e um pequeno alargador na orelha direita.

O rapaz girou o volante, virando para a esquerda e seguindo na direção da pequena cidade de Santa Lucia. Percorrido alguns quilômetros, avistou no acostamento a figura de um ser alto e encapuzado, com a mão estendida pedindo carona.

Nem pensar. Pode ser um bandido, ou até algo pior. Pensou o rapaz, enquanto acelerava o carro. Ele olhou pelo retrovisor, enquanto passava pela pessoa.

A figura logo ficou para trás, desaparecendo de vista algum tempo depois. Respirando aliviado, o jovem voltou a aproveitar o gracioso som da chuva. Mas algo começou a lhe incomodar. Ele não sabia ao certo o que era. De início, achou que poderia estar apenas cansado. Mas logo uma sensação pesada o fez ficar apreensivo. Ele olhou para fora, de um lado para o outro na estrada. A chuva agora caia com mais força, o que o forçou a ligar os limpadores.

A claridade de um relâmpago o fez olhar pelo retrovisor. Em uma fração de segundos ele pode jurar ter visto uma figura escura sentada no banco de trás. Virou a cabeça rapidamente, se deparando apenas com o assento vazio.

O jovem riu, após concluir que realmente devia estar cansado e imaginando coisas.

A estrada se tornava cada vez mais escura, conforme os postes de luz começavam a ficar cada vez mais separados. Em certo trecho as copas das arvores eram tão fartas que cobriam o céu acima do carro. E com o passar do tempo, pela falta do som da chuva, o rapaz começou a achar a viagem tediosa, decidindo ligar o rádio. Mas as caixas de som emitiram apenas um chiado baixo, indicando que as estações estavam fora do ar. Ele tentou conectar o próprio celular, mas após um longo período de tentativas, bufou irritado largando o aparelho sobre o banco do carona.

Agora ele se sentia cada vez mais incomodado. Vez ou outra, lançava um olhar rápido ao retrovisor, apenas para se certificar de que ainda estava sozinho. Mesmo nunca vendo nada, ele continuou a sentir que havia algo ali.

A atmosfera ao seu redor parecia mais tensa. A estrada agora possuía um aspecto mais sombrio e assustador. Toda vez que o carro passava por um poste, a luz alaranjada emitia sombras estranhas sobre as arvores ao lado. Em certo momento, o jovem pode jurar ver olhos esbugalhados que o encaravam de dentro da mata.

Ele respirou fundo, tentando se acalmar. Seu coração agora batia rápido e com tanta força que latejava em seu pomo de Adão. Os pelos de seu braço se arrepiaram, enquanto um arrepio descia por seu ombro o fazendo ter um tremelique. Era como se algo o tivesse tocado naquele exato momento.

O jovem olhou para trás mais uma vez. Estreitou os olhos e pode jurar ter visto algo. Acima do carro, outro poste iluminou o lado de dentro, voltando a revelar apenas o assento vazio.

O carro agora ganhava mais velocidade. O som dos pneus sobre o asfalto soava quase tão algo quanto o da tempestade que açoitava o veículo. O ar parecia cada vez mais frio, embaçando ainda mais as janelas. Os postes agora passavam cada vez mais rápidos. O rapaz desejava cada vez mais chegar a cidade. O incomodo era tão grande que o fazia querer gritar. Algumas vezes chegou a pensar em parar o carro e sair correndo. As arvores foram ficando cada vez mais espaçadas, passando ocupar apenas um lado da estrada.

Ele passou por um enorme capinzal, onde uma luz pálida revelava um velho ponto de ônibus de madeira, que com muito custo parecia desafiar a natureza, e lutava para se manter em pé. Ao longe centenas de pontos luminosos começavam a surgir, revelando a pequena cidade.

O carro avançava a 110km/h. O rapaz olhava da estrada para o retrovisor, e do retrovisor para a estrada. Ele imaginou o momento que aquela coisa saltaria do banco de traz e o mataria.

Por que isso não acontece logo? Pensou o rapaz, angustiado. Só acabe logo com isso.

Luzes fortes surgiram na estrada, e em poucos minutos ele se viu estacionando em um posto de gasolina. O jovem saltou para fora do carro e olhou para dentro do mesmo. Após todo esse tempo ele continuava a não ver nada. Tudo parecia vazio e normal.

- Está tudo bem, senhor? – Perguntou um jovem negro se aproximando.

- Sim. – Disse o rapaz, olhando aliviado para o jovem, cujo o nome André estava escrito no crachá. – A lanchonete está aberta?

- Sim, sim. – Respondeu André, abrindo um largo sorriso. – Acho que a Marcela vai começar a colocar as coisas do café da manhã daqui a pouco. Quer que eu abasteça para o senhor, enquanto isso?

- Sim, obrigado. – O jovem se virou, ainda olhando para o carro por sobre o ombro.

O rapaz se sentou em uma das várias cadeiras perto da janela. Se serviu de um café muito forte e alguns pãezinhos de queijo. Acompanhou o jovem chamado André terminar de abastecer seu carro e o manobrar em frente ao restaurante. Por fim o acompanhou com o olhar até o mesmo parar em frente a sua mesa.

- Suas chaves. – Disse André, dando um sorriso amigável. Este se virou, e quando estava a alguns passos de distância da mesa tornou a se virar, como se tivesse lembrado de algo. – Ahn, senhor. O moço dentro do carro perguntou se você vai continuar dando carona para ele?

O jovem virou a cabeça rapidamente. A luz pálida das lâmpadas fluorescentes agora iluminavam o carro perfeitamente. Sentado no banco de trás havia uma pessoa com o rosto coberto por um capuz.  

Histórias Assustadoras do ChãoOnde histórias criam vida. Descubra agora