Tchau Papai!

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Meus olhos ainda estavam pesados por conta do sono.
Os abri lentamente.
Mas estava tão escuro que mantê-los abertos ou fechados era a mesma coisa.
Estava bastante descansado, dormi bem, tão bem como não dormira a tempos.
Sonhei com coisas boas.
Minha filhinha dizendo: "Amo você papai", minha mulher me dando um longo abraço apertado e um beijo caloroso.
Meu cachorro correndo no quintal da minha casa.
Chorei bastante, chorei muito, chorei como um desgraçado.
"Mas que porra".
Aquilo parecia tão distante.
Não, não somente parecia, era.
Agora estava tendo um pesadelo, mas estava acordado, podia ouvir claramente o choro da minha pequena enquanto ela via a sua mãe sendo morta a marteladas.
Podia ouvir claramente o meu pobre cachorrinho latindo desesperadamente e uivando enquanto era queimado vivo.
Pude ouvir o cessar do choro da minha filha que veio acompanhado ao som de um tiro.
E lá estava eu.
Nu.
Amarrado em uma maldita cadeira de madeira.
Meus braços já se encontravam na carne viva de tão apertadas que estavam as cordas.
Minhas pernas estavam igualmente acabadas, porém com os dedos dos pés quebrados e os tendões cortados. Eu podia dizer que meus braços estavam até que bem.
No momento eu não estava sentindo nada, mas eu sempre me acordava assim.
Sem sentir nada!
É como se eles toda noite colocassem uma anestesia geral no meu corpo pra que eu acordasse sem nenhuma dor e esta fosse voltando aos poucos.
Chorei mais uma vez, por lembrar da dor que eu sentiria daqui a alguns momentos.
Eles viriam de novo.
Já tiraram tudo de mais precioso pra mim.
Minha família.
Por que também não me tiram essa miserável e patética vida?
Você deve estar se perguntando o por que de tudo isso, certo?
Eu tinha uma empresa.
Demiti injustamente alguns funcionários antigos.
Sabia que eles precisavam dos empregos e mesmo assim eu disse que: "Preciso dar novos ares a empresa".
Com o desemprego como estava eles ficaram desesperados perguntando-me como sustentariam suas famílias.
"Se virem" eu disse "Não me importo". Esse não foi meu único crime!
Eu sabotava algumas empresas concorrentes, já mandei matar alguns sócios que estavam pensando em desfazer a parceria comigo.
Já fiz tanta coisa de ruim.....
Mas amava a minha família.
Minha mulher e minha filha diziam que eu era o melhor homem desse mundo e, eu realmente queria acreditar que eu era.
Fazia de tudo para poder vê-las bem. Aaaaaaaah como eu as amava.
A visão que eu tinha do sorriso de ambas agora era a visão de uma bala cravada na testa da minha filha e do corpo todo quebrado da minha mulher.
Elas não mereciam aquilo.
"Nã-nã-não me...reciam"
Eu chorava e soluçava.
Elas foram as primeiras parcelas para pagar pelos meus pecados.
Esses desgraçados filhos de uma puta, por que não me matam logo?
Eu já não sofri o suficiente?
Juro por Deus que se sair daqui eu mandarei matar todos, mandarei todos para o inferno.
Siiim, a polícia deve estar me procurando, devem estar atrás de mim.
Eu sou importante, sim eu não sou um merdinha desses que está me torturando.
Eles vão me pagar, vou fazer questão de ver a morte de cada um de maneira lenta e dolorosa, vão pagar pela morte da minha família, vão pagar.
A porta do quarto abriu-se rispidamente.
A luz que vinha do exterior ofuscou-me a vista e eu levei um tempo para me acostumar com a claridade.
Todos que entraram estavam usando máscaras.
A máscara que estavam usando me dava ânsia.
Tiraram uma foto do rosto perfurado da minha pequena e com um elástico usavam para cobrir seus rostos.
"Olá papai, sentiu saudade?"
"Desgraçados filhos de um pu...."
Minha fala foi cortada por um soco.
Minha mandíbula deslocada.
O desgraçado estava usando um soco inglês.
A dor era absurda.
"Hoje vamos te dar um presente papai, vamos te deixar ir ver sua família no inferno".
Como assim no inferno?
Como eles podiam dizer isso?
Meus adoráveis anjos com certeza estavam com Deus.
"Por que está chorando papai? Ainda nem fizemos nada demais".
Aquela imitação da voz da minha filha era perturbadora.
"XEUS, DJESGLAXADUS, VOU FÔDÊ A VHIDA DI......"
Não bastasse eu não conseguir falar bem por causa da minha mandíbula, deram-me um soco no estômago que me fez vomitar o que eu não tinha, juntamente com sangue, e olha que eu nem sabia que ainda havia tanto sangue no meu corpo.
"Você tá falando demais papai, vamos resolver esse problema".
Cortaram minha língua.
Com uma maldita tesoura enferrujada eles lentamente foram cortando a minha língua.
Eles se divertiam enquanto eu me contorcia na cadeira e gritava e chorava e enquanto me movimentava as cordas que me apertavam roçavam nas minhas feridas e aumentavam a minha dor.
Parece que o efeito da anestesia havia passado.
Enquanto eu sufocava com meu sangue eles amordaçaram minha boca com qualquer trapo velho.
"Dessa vez seremos breves papai"
Com um martelo bateram em meus braços, em minhas pernas, pude sentir os meus ossos se esfarelando enquanto sufocava.
Lembrei da minha mulher.
Jogaram gasolina nas minhas pernas e atearam fogo em mim e enquanto meu corpo queimava minhas lágrimas escorriam e eu tentava me debater na cadeira, mas nem isso eu conseguia fazer.
Lembrei do meu cachorro.
Então quando finalmente apontaram uma arma para minha cabeça, pude olhar para aquele buraco de bala na testa da foto da minha filha.
"Tchau papai".

Nas Sombras Da CidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora