Vida de Merda I

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Seu rosto estava afundando em seu vômito. O cheiro da bebida era nauseante e o gosto ruim na sua boca era insuportável. Sua garganta estava tão seca como se tivesse corrido uma maratona no deserto sem ter bebido uma única gota de água.

A calçada estava fria e o sol ainda não havia raiado. Tentou levantar, somente para escorregar no próprio vômito e retornar aquele estado deplorável. Somente mais um bêbado, largado em mais uma calçada, em mais um beco escuro, depois de sair de um boteco qualquer. Só mais um infeliz, bebendo pra esquecer as merdas que fez mas, que ao se embriagar faz ainda mais merdas, consciente, mas usando a desculpa que estava bêbado e não tinha controle de suas próprias ações.

Era um merda, e sua vida era uma merda. Ele fez da sua vida uma merda e, aquela situação humilhante, era reflexo de todas as más escolhas que fez, de todas as más ações que tomou ao longo da vida. 16 anos de cadeia, havia completado um ano desde que ele saíra de 16 anos no cárcere e, ao invés de tentar dar um novo rumo a sua vida, simplesmente jogou o resto de dignidade que tinha, se é que de fato tinha ao menos uma gota, na sarjeta.

Passou mais alguns minutos deitado no chão, a chuva, que começara a pouco tempo, lavara o vômito de seu rosto e de suas vestes, o ajudou a tirar o gosto ruim da boca, bem como matou sua cede e, por fim, deu-lhe forças para levantar.

Apoiou-se na parede com ambas as mãos e deu passos lentos. Quando viu que tinha equilíbrio o suficiente para manter-se em pé sem o apoio da parede, continuou sua caminhada. A madrugada estava fria e solitário. Não haviam pessoas na rua e nem casas próximas. O boteco ficara a muito para trás.

Continuou andando, lamentando sobre sua lamentável situação, amaldiçoando a si mesmo e a sua vida, xingando Deus e o diabo. Um homem vazio e amargurado, um homem estúpido e odioso, um homem que não se perdoaria nunca.

Parou por um momento. Cessou com as lamentações e olhou para o lado. Um portão gradeado e, para além dele, lápides e mais lápides. Porém, uma especialmente chamativa, que parecia estar no centro do cemitério e se destacava mais do que todas as outras, como se tivesse um brilho próprio ou coisa assim. Talvez sua visão o estivesse pregando peças ainda por conta do álcool mas, aquele lugar parecia bastante familiar e aquela lápide parecia tão convidativa(?), que ele sentiu-se na obrigação de ir até ela.

E eis a cena mais estranha que se poderia ver naquela noite, um bêbado, pulando o muro de um cemitério para ir até uma lápide que o estava “chamando”.

Algumas quedas e hematomas depois, já dentro daquela terra de mortos, sentiu calafrios percorrendo seu corpo mas, não sabia se por conta do frio congelante daquela chuva estranhamente fora de época, ou se por conta da energia pesada que pairava sobre o lugar.

Caminhou entre os túmulos até chegar naquele cuja lápide lhe chamara tanta atenção. Estava escuro e teve que forçar os olhos para ler o que ali estava escrito.

“Samantha J. Wilder

19XX – 20XX

Estarei esperando nosso reencontro, darling”.

O bêbado caiu no chão, o medo passou a percorrer suas veias como se fosse sangue, seu coração acelerado e o corpo trêmulo. Aquele era o túmulo da mulher que ele amou, ou dissera que amava, e matou.

Nas Sombras Da CidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora