Capítulo 3

37 2 2
                                    

Não tenho certeza de quando foi exatamente que dormi. Só sei que acordei com a voz de Dulce me chamando baixinho, enquanto puxava os cachos do meu cabelo devagar e com carinho. "Chris... acorda. Já chegamos" ela disse e em algum nível meu cérebro captou a mensagem, me fazendo mexer um pouco a cabeça, o que me permitiu perceber que sim, estava deitado no colo dela. Por alguns segundos fiquei feliz, até me lembrar de tudo que aconteceu noite passada.
Ouvi Anahi gritar alguma coisa, e abri meus olhos devagar, vendo Dulce como a primeira imagem do dia. Sorri ao vê-la, com a mão no meu rosto. "Desculpa, to muito pesado?" disse ainda com a voz rouca, e a vi sorrir. "Bom dia bela adormecida" a ouço dizer me olhando e eu sorrio, levando o antebraço até os olhos, os cobrindo a luz. "Me deixa aqui, eu vou dormir." falo fazendo graça e ela revira os olhos. "Negativo. Eu preciso da sua companhia. Pode acordar."
Estava prestes a responder, feliz com ela querendo minha presença, quando ela se abaixou e deu um beijinho no canto da minha boca. Fecho os olhos para sentir o toque de sua pele contra a minha e sorrio com tal sensação. "Vamos, a gente continua dormindo em casa." A gente. A gente. Ela disse a gente, como em nós dois. Sorri e ergui meu corpo, tirando a cabeça do seu colo, e coçando um pouco o olho antes de levantar, ela pegou minha mão e eu, como sempre fazia, a abracei por trás e me abaixei um pouco para colocar o rosto apoiado em seu pescoço. Descemos do avião, e os outros quatro nos esperávamos na mini-van que nos levaria até em casa.
Agradeci aos funcionários, e entramos juntos, sentando no segundo banco como sempre. Anahi e poncho já se engoliam no primeiro banco, e Maite tentava dormir enquanto Christian não calava a boca no último. Nós sentamos e eu voltei a escorar a cabeça no ombro da minha... não sei. Da Dul. Sinto mais uma vez os dedos finos dela em meus cabelos e sorrio com a sensação.
Sempre tratamos um ao outro com amor, ou como diziam, bem todos que nos conhecem, namorados que não namoram. Mas desde noite passada, o carinho parece ser diferente. Dissemos um ao outro que nos amávamos, e isso, de alguma forma, mudou tudo. Antes de perceber, estávamos em casa. "Quer ir pro seu quarto ou para o meu?". Não tenho certeza qual dos dois queria mais a companhia do outro nesse momento, e eu só respondi baixinho pra ela escolher. "Christian vai sair?" ela perguntou e ele respondeu que sim.
Ela voltou a me olhar e sorriu passando a mão devagar pelo meu rosto "vamos pro seu." Assenti e saímos da van grudados como sempre fazíamos. "O dengo de vocês me estressa" Christian disse rolando os olhos e eu dei risada. "Quem namora é a Any e o Poncho, e vocês dois ficam aí nesse amor todo" Demos risada e ouvimos Anahi reclamar que ela e o namorado também eram adoráveis, fazendo todos rirem. Entramos no apartamento que eu dividía com os meninos, e fui direto com Dulce até meu quarto, e ao entrarmos, ela se sentou na cama e levantou a cabeça para cima com uma expressão de dor, me preocupando um pouco, fui até ela e né ajoelhei em sua frente.
"Dul, tá tudo bem?" perguntei a olhando e ela respirou fundo e negou com a cabeça. "Tá tudo doendo" ela reclama e eu me senti ao seu lado. "O que eu posso fazer pra ajudar?" perguntei a olhando e ela sorriu, colocando a mão em meu rosto. "Sendo você" ela disse e eu fiz careta para a ruiva. "É sério. Quero saber como te ajudar de verdade." digo e ela nega com a cabeça fitando meus olhos. "Só fica comigo" fala sorrindo e eu faço que sim, beijando sua cabeça. "Sempre vou ficar" ela me abraça, e assim ficamos por alguns instantes, quando a solto, a vejo limpar os olhos, mas finjo que nada aconteceu.
"Vem. Você tá com a maior cara de sono desse mundo" a ouvi dizer sorrindo e se ajeitando na minha cama, entrando debaixo das cobertas até então arrumadas como se ela fizesse o movimento quase todas as noites. Me deitei com ela, mas meu instinto protetor, e acho que levemente machista, logo me fez trocar nossas posições e era eu que a segurava em meus braços.
Apesar de ser dia, o quarto estava escuro, e eu sabia que dessa forma, ela se sentia um pouco mais segura de dizer o que sentia, por não ter que olhar nos olhos seja quem for com quem ela esteja falando. Respirei fundo antes de perguntar. "Dul... é sério... você tá bem?" Foi uma pergunta idiota, e que eu já sabia a resposta, ela apenas se grudou mais ao meu corpo e negou com a cabeça. "Vai ficar bravo se eu começar a chorar?" ela perguntou com a voz baixinha e meu coração se apertou. "Posso ficar aqui com você ou quer que..." "Não me deixa sozinha Chris." ela fala ainda mais baixo, e eu quase não consigo ouvi-la.
Eu beijo devagar a sua cabeça e a aperto com um pouco mais de força tentando inutilmente fazer com que ela se sinta a salvo. "Pode chorar. Não é bom guardar tudo." falei e ela deu um sorrisinho antes de me olhar nos olhos por um milissegundo. "Eu to com muito medo" ouço antes de ver seu rosto se enterrar em meu peito e ouvir sua respiração descompassada, indicando que ela realmente estava chorando. Eu odiava, e ainda odeio, ouvi-la chorar. Mas sabia que não era justo pedir para que ela engolisse, seja lá o que estivesse sentindo.
Então eu a abracei e ouvi em silêncio todas as vezes que o choro cessava mas voltava em seguida ainda mais intenso, como um recém-nascido que precisa recuperar o fôlego. Quando ouvi sua respiração se acalmando, sabia que não tinha nada que pudesse ser dito nesse momento, então só a segurei perto de mim o mais forte que pude, e falei mais uma vez, pertinho de seu ouvido, palavras que eram o que eu gostaria de ouvir se estivesse assustado como ela estava.
"Eu estou aqui. Nada mais vai te machucar." e a resposta, me fez mais uma vez querer morrer, ou talvez matar o causador disso tudo. "Ninguém consegue me proteger." "Mas eu prometo tentar." Respondi e vi ela sorrir um pouquinho antes de voltar a enterrar completamente a cabeça em meu peito. "Eu te amo chris." ela disse e dessa vez fui eu quem sorri, mexendo devagar no cabelo dela. "Eu também te amo ruivinha." e depois disso, acho que os dois dormimos embolados, dependendo unicamente, do calor um do outro.
Logo eu acordei, olhando-a dormir. Geralmente seu rosto se relaxava e ela dormia com um sorrisinho no rosto, que memorizei das vezes que ficava sentado na poltrona ao lado de sua cama porque ela estava com medo. Será que o medo sempre foi disso, ou melhor, dessa pessoa, e eu fui idiota o suficiente para não perceber? Agora, mesmo dormindo, seu rostinho estava tenso, e ela segurava forte em meu peito. Lembrei dos machucados em seu corpo, e achei melhor cuidar mais uma vez deles para que cicatrizassem. Como alguém tentando soltar os dedinhos de um bebê de seu próprio dedo, abri com cuidado as mãos dela que se agarravam ao tecido da minha camiseta. A ouvi resmungar alguma coisa mas não consegui entender o que era. Fui até a cozinha, e por alguns segundos quis que poncho estivesse ali para me dizer onde guardava as pomadas, já que anahi sempre os organizava, mas pensei bem, e se eu pedisse pelo remédio, teria que dizer para que, e então dei graças por estarmos sozinhos.
Demorei alguns minutos até conseguir encontrar a caixinha branca com uma cruz vermelha, que claro, Maite que arrumou pra gente querendo simbolizar o perigo de se tomar remédios sem necessidade. Encontrei uma pomada cicatrizante e voltei para o quarto.
Acendi o abajur, não querendo abrir as cortinas ou acender a luz do quarto para não acorda-lá, e tentei virar o corpo pequeno dela para cima sem a assustar. Levantei com cuidado minha camiseta larga que ela usava, e a amarrei nela própria cobrindo seus seios, e segurei em sua mão para tirá-la de onde eu precisava passar o remédio. Ela estava gelada, muito gelada. Minha preocupação aumentou. Tirei a tampinha da pasta que segurava, e a apertei um pouco tirando um pouco de seu gel melequento para fora.
Quando eu toquei sua pele, ela se bateu um pouco, e eu tentei ignorar, continuando a passar os dedos com remédio por sua pele machucada, quando toquei seu quadril, ouvi um quase choro saindo de sua voz "chega, de novo não" e imediatamente imaginei um pouco do que poderia ter acontecido. Fechei os olhos e respirei fundo, levantando meu corpo até ela, e com a mão que não estava suja, balancei devagarzinho seu ombro. "Dul... acorda ruivinha. Tá tudo bem." eu disse a vi abrir os olhos de uma vez, e de novo, vi medo em seu olhar. Ela jogou os braços ao redor do meu pescoço, e eu coloquei uma das mãos em suas costas, tentando consolar a menina em meus braços.
"Tá tudo bem. Eu so to cuidando de você ok?" ela assentiu e eu pedi para que ela se deitasse mais uma vez, quando acabei de passar a pomada na parte da frente do seu corpo, com ela em silêncio durante todo o tempo, fui até o banheiro e peguei uma toalha, forrando ao seu lado. "Vira bonequinha." ela sorriu com o apelido, e se virou, soltando um pequeno gemido de dor.
Continuei espalhando o remédio por sua pele, devagar e parando todas as vezes que ela soltava um grunhido que eu sabia que significava dor. Quando acabei, desfiz o nó da blusa cobrindo novamente seu corpo, pus a pomada na cabeceira e fui novamente até o banheiro lavar as mãos. Quando me virei de volta, ela estava deitada de lado, com o rosto apoiado no travesseiro. "Você está muito gelada..." falei me sentando atras dela e ela me olhou. "Não, você que está quente" ela disse e me fez dar uma risadinha e rolar os olhos, o que causou nela um sorrisinho.
Ela me olhou por alguns segundos, como se estivesse debatendo algo consigo mesma. "Me abraça?" ela disse sem desviar o olhar do meu, e eu sorri, me ajeitando para mais perto dela. "Vem cá" falei e me deitei ao seu lado e ela arrastou devagar o corpo pequeno até mim. Eu a abracei, e senti que ela se mexeu um pouco, se aconchegando no meu peito, e eu, besta de amor, sorri com isso. Acho que ela percebeu, mas não sei dizer com certeza. E então ficamos ali. Em silêncio mais uma vez, enquanto eu brincava de bagunçar seus cabelos vermelhos e ela fazia desenhos com o dedo indicador no meu peito.
Vi quando seus olhos estavam prestes a se fechar, mas o celular dela apitou, com alguma mensagem recebida. Ela grunhiu um pouco, e se levantou, pegando o celular. Leu a mensagem e seu olhar mudou no mesmo instante. "Dul? O que foi?" perguntei colocando uma mão sobre sua perna e ela me olhou com o mesmo olhar de noite passada. "Promete que não vai contar nada pra ninguém?" ela disse quase em um suspiro e eu assenti.
Olhando por mais alguns segundos para a mensagem, ela virou o celular, e meu coração parou ao ler as palavras escritas na tela.
"Ainda não acabamos, não ache isso só porque te deixei ir ontem. Tenho muito o que fazer contigo ainda. O que aconteceu, foi para aprender, a não me desafiar. Nunca mais, diga não quando eu for te foder. Eu mando. Você obedece. Até logo, e mantenha-se calada"

Luna NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora