Câmera Cinco, A Cantora

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Câmera Cinco, Conectada.



Uma música toca ao fundo. O coração responde e pulsa na mesma velocidade das batidas. Um gole arranha a garganta e estala na língua, o cheiro de álcool preenche o lugar se misturando ao perfumes das roupas. Ao suor.

As pessoas dançam, algumas exageram no palco. A luz vai e volta várias vezes, como flashs. Sinto olhares na minha cola, alguns flashs sequer são da festa em si. A imagem escurece.

-- Aigoo -- digo totalmente embriagada, mal me seguro em pé -- Da um sorriso unnie! -- Chung-ha revira os olhos.

-- Eu não deveria nem estar aqui, se meu marido sonha que eu tô fazendo isso com você -- diz enquanto esconde parcialmente o rosto com a mão -- Tem fãs aqui sabia? -- pergunta num tom mais alto.

-- Deixem que falem, deixem que morram -- a câmera se escurece. O corpo cai desmaiado. A maior olha pra trás vendo o corpo desmaiado, de olhos abertos com o celular na mão.

-- Meu Deus, vamos embora! Agora! -- Ela puxa meu braço.

-- Ah não~ -- me jogo nos braços da mais velha -- Por que você não tira uma foto minha, uh? -- volto a ficar de pé fazendo uma pose. Outro baque é ouvido.

-- Já chega -- Ela me puxa e coloca a mão na minha cabeça. Num ponto exato. Sinto frio e desmaio.

~

Reviro sobre a cobertura firme e macia. Resmungo mentalmente, me forço a ficar deitada. Quando acordo de fato,  a dor de cabeça vai além de um pequeno incomodo.  Não lembro do que sonhei ou como cheguei até esse cobertor com cheiro de amaciante.

Me sento na cama na mesma velocidade em abro os olhos, o cabelo está preso pra trás com uma bandana amarela, estou com uma roupa diferente também, mais branca e o mais importante, limpa. Tudo tem cheiro de amaciante que arde no nariz de uma pessoa tão sensível como eu.

Me espreguiço levantando os braços até onde a vida me permite, estrala a coluna e o pescoço. Ainda com o transe de quem acorda cedo, foco meus olhos no chão por um tempo que não sei contar. Chung-ha atinge minha audição e sei que estou fodida.

Quando o transe acaba. Meus pés tocam o chão gelado e vão até o banheiro. De início, meu corpo implora pra que eu volte a dormir, minha cabeça continua doendo enquanto escovo os dentes, lavo o rosto e arrumo o cabelo.

-- Que bebê -- falo me olhando no pequeno espelho enquanto penteio os fios pra trás os prendendo com uma fita escura. 

-- Bom dia flor do dia -- Chung-ha abre a porta do banheiro rapidamente me assustando.

-- Jesus Cristo -- digo respirando rápido. 

-- Amém -- Ela completa se abaixando pra tirar o lixo do banheiro.

-- Haha, muito engraçado, nossa, piadista incrível -- bato palmas desajeitadas.

-- Café tá pronto o idiota, sua mãe ligou também, disse que viu as fotos. -- ela amarra as duas abas do plástico.

-- Dane-se, pelo o menos os fãs se preocupam comigo. -- atiro dando uma ultima olhada no espelho.

-- Queria que minha mãe se importasse comigo metade do que a sua mãe se importa -- olho pra ela. Quebra a pouca felicidade deixando um clima tenso. Ela sorri formando uma linha fina com os lábios, olha ao redor e sai do banheiro -- Sua panqueca vai esfriar.

-- Aish, panquecas, isso lá é café pra uma coreana? -- reviro os olhos.

O caminho do quarto até a cozinha é pequeno, não demora e já estou preparando meu café com leite e um pouco de canela - porque tudo fica bom com canela. Chung-ha já comia sua panqueca e vez ou outra molhava a massa frita dentro do chocolate quente.

-- Comida de bebê isso aí que você tá comendo -- digo me sentando junto a ela.

-- No seu estômago, o líquido vai se misturar a massa, então por que não? -- termina de morder o pedaço umedecido.

-- Por que isso é trabalho do corpo e não meu. Tá frita pra comer seca, se eu quisesse algo molhado comeria a massa crua -- Mordo um pedaço.

-- Ignorante como sempre.

-- Pois é querida,  as coisas não mudariam por causa de uma gandaiá -- termino a primeira panqueca -- Até que isso é bom... -- pego a próxima do grande prato no centro da mesa.

-- Quem dera. O último show de Tokyo é hoje...

-- A me desculpa, nasci ontem e não sei do que eu mesma marquei, sorry -- anfineto.

-- Podemos voltar no sábado se quiser -- Ignora como sempre. 

-- Tanto faz. 

...

Deslizo o dedo indicador pela tela colorida do celular. Vejo notícias do mundo da música que estão em destaque na página inicial. 

"A cantora IU foi flagrada por vários fãs numa balada em Tokyo"

Quando entro no site, me deparo com uma foto minha, borrada mas claramente sou eu. 

"Estranhamente, o fã que fotografou a cantora, desmaiou logo depois o flagrante segundo testemunhas"

Meu Deus, o que eu fiz ontem a noite?

Minha cabeça dói em pensar nos prejuízos que causei. O cabeleireiro termina de arrumar os fios fazendo dois rolinhos em cada topo da cabeça. Prende cada um com uma pequena fita amarela. Toca meus ombros enquanto dá uma ultima olhada em meu reflexo.

Ele sente.

-- Jiyong disse que sua mãe ligou. Te deixou um pacote e disse que virá hoje a noite -- ele diz massageando de leve meus ombros.

-- Um pacote? -- Ele afirma -- deve ser outra tentativa de suborno...

-- Querida, o que quer que seja, não é minha conta e nem dos seus fãs -- Jiyong aparece passando pela porta vermelha do camarim com sua prancheta e caneta no canto da boca. -- Você entra em três minutos. Evite olhar pra cadeira superior VIP. Comece com BBIBBI, ok? -- Assinto -- Ótimo, Bae, pare de conversar e volte ao seu trabalho -- Ele dá dois tapinhas nas costas do cabeleireiro e volta pra fora da sala -- Rápido -- grita antes de sumir.

-- É a minha hora de causar.

...

Não consigo me concentrar. Falho quando o quesito é ignorar o olhar julgador e duro de minha mãe.

 O conselho que recebi não foi o suficiente para evitar que eu a olhasse. Esta contada a frente de uma mesa com algumas formas e uma pequena fonte de chocolate. 

Seu namorado está do outro lado saboreando o morango com a calda, os dois são opostos. Se o sexo e a fortuna não é a coisa que unem essas duas pessoas com quase vinte anos de diferença, eu não sei o que é. Amor? Está longe.

Ela mantém a pose da síndrome de Deus. Come um palitinho de massa com uma calda de chocolate no topo. O outro braço está cruzado abaixo dos seios. Ela se mantém seria enquanto canto o refrão de Palette.

Me julga.

Num misto de pressão, medo e insegurança. Performo ao lado de algumas garotas com roupas jeans enquanto canto. Minha mãe não tem raiva.

Tem medo.

De algo que eu posso falar e destruir. 

Câmera Cinco, Desligada.

Continua...




O flash da câmera machuca seus olhos e seu cérebro entra em pânico quando você tira uma foto de fã com sua cantora favorita. Ela consegue controlar mas não a culpe se estiver num dia ruim.... Ou bêbada.

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⏰ Última atualização: May 18, 2020 ⏰

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